Recentemente veio a público o caso de uma jovem mãe, Gleice Kelly Silva de 24 anos, que teve sua mão amputada após o parto no Hospital da Mulher Intermédica de Jacarepaguá no Rio de Janeiro. A jovem mãe acusa os médicos de negligência, pois o acesso para medicação teria infeccionado e, devido à demora em tratar o problema, mesmo ela tendo apresentado diversas queixas de dores no local, acabou gerando gangrena, o que levou à amputação.
O tema da chamada “violência’ obstétrica ganhou evidência nos monopólios da comunicação após o médico anestesista Giovanni Quintella Bezerra ter sido filmado estuprando uma paciente dopada durante uma cesariana. A mulher em questão denunciou que ainda não pôde amamentar o filho desde que nasceu e que só o viu 8 horas após o parto. Outro caso que teve grande repercussão foi do médico anestesista colombiano Andres Eduardo Oñate Carrillo, que foi preso acusado de estupro de vulnerável no Rio de Janeiro, o mesmo dopava as pacientes e abusava delas. O médico mantinha em seu computador mais de 20 mil imagens de abuso de adolescentes e crianças.
Esses não são casos isolados, dados de Relatório da ONU mostram que uma em cada quatro mulheres já sofrem abusos durante o parto no Brasil, ou seja, 750 mil mulheres.
As diferentes formas de opressão contra a mulher não tem sido apenas mais publicizadas, elas tem aumentando na sociedade como decorrência da crise econômica e social que arrasta o País desde 2014, com o aprofundamento da miséria das massas populares, do sucateamento e mesmo desmonte das estruturas dos serviços públicos de saúde e assistência social. Situação grave que não se reverte facilmente, pois é decorrência direta da crise de decomposição do capitalismo burocrático, que é a concretização da dominação semicolonial que o imperialismo, principalmente ianque, impõe ao País. Tal crise é também política e moral, agravando todas as contradições de nossa sociedade, aumentando a degradação social e a degeneração moral e generalizando a violência de todo tipo, principalmente do velho Estado e suas instituições jurídicas e policiais-militares sobre as massas em luta na defesa por seus direitos pisoteados, sobre os operários, os camponeses em luta pela terra, estudantes e professores, abusos e massacres contra os pobres, os negros, indígenas, e de forma mais generalizada a violência contra as mulheres do povo.
Entre as formas de agressão e preconceito contra as mulheres no momento do parto estão as mais variadas manifestações de desrespeito, subjugação e, inclusive, alienação da mulher sobre sua própria condição, lhe negando o direito a ter conhecimento do que se passa com seu corpo durante o processo de gestação e nascimento de seus filhos, necessárias para que possa tomar decisões que cabem exclusivamente a si mesma e seu parceiro.
Entre as práticas de desrespeito há xingamentos ou agressões verbais como ficou público em um parto conduzido pelo badalado obstetra “global” Renato Kalil. Mas não somente. Técnicas médicas são adotadas rotineiramente sem sustentação científica, como a episiotomia* e o consequente famigerado “ponto do marido”, realizados com base na crença de que facilitaria o nascimento e preservaria a integridade genital da mulher; há a manobra de Kristeller, quando mãos, braços, cotovelos são usados para pressionar a barriga da gestante, forçando a saída do bebê. Nessas condutas há risco de infecções, deslocamento de placenta, mutilação genital, traumas encefálicos. Procedimentos sem autorização ou informação, falta de analgesia e negligência estão entre os mais frequentes casos de agressão contra as mulheres no parto, além dos usuais desprezo e indiferença.
A razão de mortalidade materna também deve ser considerada entre as formas de violência obstétrica. Em 2019, segundo dados do Painel de Monitoramento da Mortalidade Materna, a taxa era de 57 mortes a cada 100 mil nascimentos, mas o indicador explodiu durante a pandemia, chegando, em 2021, a 107 mortes, número muito superior à taxa média registrada na Europa, por exemplo, de 13 mortes a cada 100 mil nascimentos, de acordo com informações do Relatório da Saúde Europeia.
É comum ouvirmos de alguns médicos, enfermeiras e pessoas em geral, embrutecidos que estão por esse sistema, que a mulher ‘na hora de fazer não gritou’. Essa é uma máxima que expressa bem o preconceito existente contra a mulher, como se a mulher tivesse que ser punida por ‘abrir as pernas”, outra máxima do preconceito. O conservadorismo condena as mulheres a serem apenas reprodutoras, como se não pudessem sentir prazer no ato sexual, ou tivessem que suportar a terrível dor do parto sem ‘gritar’ porque realizaram o ato “imoral” e “pecaminoso” da ‘conjunção carnal’. O liberalismo sexual do pós-modernismo, por sua vez, advoga a “liberdade” sexual, como se para contrapor o conservadorismo cristão e falso moralismo burguês as mulheres devessem assumir uma conduta hedonista e individualista contra todo e qualquer padrão, e contra “toda e qualquer moral”. O conservadorismo cristão e o liberalismo sexual são variantes da mesma ideologia burguesa decadente, na qual o prazer individual, seja ele do homem ou da mulher, é central e está acima de tudo.
Hipócritas que são, condenam a mulher por ter prazer sexual, quando sexualizam a mulher o tempo todo, condenam a mulher por engravidar, quando tratam a mulher como objeto de reprodução, condenam a mulher no momento de parir os filhos, como para castiga-las pelo simples fato de serem mulheres das classes trabalhadoras, numa sociedade patriarcal semifeudal e semicolonial, retrógrada e decadente.
A influência do feminismo burguês na pequena burguesia, com sua perspectiva centrada no indivíduo, preconiza como solução para esses problemas o ‘parto humanizado’. Mas essa ‘solução’ só se aplica para uma pequena minoria, já que a imensa maioria não tem condições especiais de ter seus filhos em casa ou em hospitais particulares, com doulas e médicos pagos que ficam por conta, com todos os recursos disponíveis, como banheira, ambiente climatizado, etc. A romantização do parto e tudo que dela decorre está muito longe da realidade das amplas massas de mulheres, que tem seus filhos em hospitais públicos num ambiente frio no acolhimento às parturientes, sem muitos recursos, as quais estão sujeitas a todo tipo de desrespeito e abusos que são tão recorrentes em nosso país. Quando não por total falta de condições e total desamparo por parte do Estado são submetidas a partos naturais, com parteiras, em locais onde não há sequer assistência médica, correndo o risco de lesões a sua saúde e, inclusive, de morte no caso de complicações, como é o caso de muitas regiões de campo e de povos indígenas. Ao contrário de predicar partos em casa como solução mais humana, devemos exigir que os hospitais atendam toda a população, garantindo todas as condições para que a gestação e o parto ocorram da maneira mais natural possível, com todo cuidado e assistência médica necessários. O que tem ocorrido é que o SUS tem adotado a linha do chamado “parto humanizado” como forma de reduzir despesas, obrigando muitas vezes as mulheres a suportarem até o extremo as dores e complicações de partos demasiadamente longos, sem a intervenção necessária, o que faz com que muitas mães e crianças sejam colocados em risco. São comuns os casos de mulheres que, nessas condições de parto “humanizado”, ficaram ou elas ou os filhos com sequelas.
É absurdo, para não dizer revoltante, que num momento em que a mulher se acha tão indefesa e exposta a grandes riscos sua saúde e sua vida, onde as emoções ficam a flor da pele, momento em que deveria receber todo conforto e calor humano, que deveria ser de alegria e satisfação para as amplas massas de mulheres de nosso povo, sejam submetidas a práticas como essas.
Nós, mulheres do povo, democratas e progressistas, revolucionárias, nos rebelamos contra toda e qualquer forma de opressão contra a mulher! Devemos denunciá-las e não aceitarmos que essas barbaridades continuem e sejam tratadas como naturais!
Nos empenhamos em levantar um ainda mais poderoso movimento revolucionário das mulheres do povo, munidas com a ideologia científica do proletariado e organizadas em núcleos nos locais de trabalho, moradia e estudo. Somente com nossa mobilização, politização e organização podemos combater as mazelas dessa sociedade misógina e anti-povo e lutar pela Revolução, única forma de destruir a 4a montanha da opressão sexual e conquistar a verdadeira emancipação feminina.
Devemos, ademais, saber que um sistema de saúde do povo e para o povo, que respeite a mulher, que a acolha e valorize como parturiente e mãe, só pode ser realização de uma nova sociedade, uma sociedade sem exploração e opressão das massas em geral, e das mulheres em particular. Essa nova situação será realidade porque as bases materiais e culturais para sua concretização estarão dadas. Essa sociedade só pode ser conquistada com participação ativa das mulheres e homens do povo na luta revolucionária, na luta pela destruição desse velho Estado de grandes burgueses e latifundiários serviçais do imperialismo e pela construção da República Popular do Brasil, através da revolução de Nova Democracia.
Contudo, o patriarcado e sua ideologia machista, correspondente na atualidade à dominação burguesa, só pode ser superado com a abolição da propriedade privada dos meios sociais de produção, pois surgiu com ela, por sua vez, só pode ser abolida com a Revolução Proletária. No caso dos países como o nosso, por serem oprimidos pelo imperialismo e pendente sua revolução democrática, o socialismo só pode ser alcançado em duas etapas, através da revolução de Nova Democracia com passagem ininterrupta a ele, e no rumo do comunismo. O comunismo é a plena Emancipação Humana, a sociedade do futuro, sem propriedade privada, sem classes, sem Estado, sem nenhum dos males sociais da história da sociedade humana, e consequentemente, sem a opressão sexual.
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Notas:
*A Episiotomia é um procedimento cirúrgico que consiste em uma incisão no períneo — a região entre o ânus e a vagina — para facilitar a passagem do bebê. A OMS aconselha a realização da episiotomia em situações como sofrimento fetal, progresso insuficiente do parto e lesão iminente de 3º grau do períneo. Atualmente a prática do procedimento é de cerca de 53,5% nas parturientes brasileiras que fazem parto normal.
Hedonismo: doutrina moral em que a busca pelo prazer é a finalidade da vida humana, como meio para atingir a felicidade.
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