Leia importantes notícias sobre a luta pela terra retiradas do Jornal A Nova Democracia.
Em Assembleia Popular (AP) ocorrida pela manhã do dia 27/10, após o retorno das famílias a Área, as famílias reafirmam que conquistarão as terras. Foto: Banco de dados AND
A bandeira da LCP tremulava durante a Assembleia Popular (AP) ocorrida pela manhã do dia 27/10, na Área Tiago Campin dos Santos. Foto: Banco de dados AND
Em 27 de outubro, centenas de famílias expulsas das Áreas Tiago Campin dos Santos e Ademar Ferreira retornaram às suas terras depois de empreenderem uma grandiosa resistência diante de uma escancarada operação de guerra levada a cabo por mais de 3 mil tropas da Polícia Militar de Rondônia (PM-RO) de Marcos Rocha e da Força Pública de Segurança Nacional do governo militar genocida de Bolsonaro. Dentro da Área, os camponeses realizaram a Assembleia Popular (AP) reafirmando a determinação de seguirem lutando por suas terras.
O retorno das famílias se deu cerca de uma semana após o início oficial da Operação “Nova Mutum” anunciada pelas forças de repressão como uma ação de despejo, mas que concretamente atuou com todos os procedimentos de uma operação de guerra contra um contingente inimigo, com expediente covarde e terrorista. Tal ação mobilizou forças de repressão auxiliares, porém já havia sido anunciada pelo próprio Bolsonaro e orquestrada pelas Forças Armadas reacionárias.
Em meio das ações de guerra contra os camponeses, diversos crimes foram cometidos pelas tropas, entre eles um cerco ilegal através do qual houve restrição de acesso à alimentação e toda sorte de abusos condenáveis mesmo em períodos de guerra convencional. Em resposta, as famílias se mantiveram altivas e organizadas durante as mais de duas semanas que já dura a Operação (que vigorou mesmo após decisão do STF suspendendo o despejo). Apenas uma parte das 800 famílias que vivem na Área Tiago Campin dos Santos foi expulsa na calada da noite. Esta ação se deu sob a mira das armas dos policiais que promoveram terrorismo contra a massa de trabalhadores. A outra parte das famílias sequer foram alcançadas pelas tropas, devido a ações de resistência de diferentes tipos.
Uma Missão de Solidariedade em que participaram uma série de entidades de defesa do povo, advogados e procuradores da República fez o acompanhamento da volta dos camponeses a seus lotes, nos dias 26 e 27/10. O AND também participou com uma equipe e desde o dia 25/10 a nossa equipe acompanhou diretamente de Nova Mutum Paraná a resistência feroz dos trabalhadores e o desfecho que culminou na retomada das terras.
AS FAMÍLIAS ENFRENTAM O CERCO ILEGAL
As famílias camponesas que estavam no alojamento improvisado na Escola Santa Julia saíram, no dia 26, em direção à Área Tiago Campin dos Santos em um grande comboio que tomou as rodovias com diversas motocicletas, carros, caminhonetes, ônibus e caminhões, além dos apoiadores da Missão de Solidariedade.
Chegando na entrada da Área, se depararam com o ilegal e criminoso cerco militar. Diante das dezenas de agentes policiais armados com fuzis e sem identificação, os camponeses iniciaram uma resistência que derrotou todas as tentativas de divisão e intimidações lançadas pela PM e pela Força Nacional.
Havia no local um acampamento policial. A base foi instalada compulsoriamente em um pequeno comércio com diversas viaturas reunindo cerca de 16 policiais. Fortemente armados, postaram-se frente à massa camponesa compondo uma linha que constituía uma barreira física na estrada de acesso à Área.
Centenas de famílias foram chegando e formou-se um mar de massas que entoava as palavras de ordem: É terra, é terra, pra quem nela trabalha! E viva agora e já a Revolução Agrária!, logo após cantarem o Hino da Liga dos Camponeses Pobres, Conquistar a terra.
Na entrada da área a PM permitiu, arbitrariamente, apenas a entrada dos advogados e do procurador da República Raphael Bevilaqua, que acompanhava a missão. Com o passar do tempo, chegaram de dentro da área veículos, tropas da PM-RO, Força Nacional, Patrulhamento Tático Móvel (Patamo), Grupo Especial de Fronteira (Gefron) e até mesmo um helicóptero do Núcleo de Operações Aéreas (NOA).
Foto: Banco de dados AND
Enquanto ocorria a reunião, os camponeses demonstravam o ânimo e a determinação por retornarem às suas terras, entoando canções como O risco e também palavras de ordem como Nem que a coisa engrossa essa terra é nossa!, Conquistar a terra! Destruir o latifúndio! e Ir ao combate sem temer, ousar lutar, ousar vencer!. O comandante da operação, nitidamente abalado com a demonstração de vigor e coragem dos trabalhadores, pediu aos advogados que ordenassem o fim das músicas. O helicóptero da PM sobrevoava a multidão que, transbordando decisão, fazia chacota da tentativa de intimidação.
Ao fim da reunião, já ao cair da noite, os advogados comunicaram as propostas feitas pelas forças de repressão e os camponeses iniciaram uma Assembleia Popular (AP) onde os caminhos possíveis para continuidade da resistência foram discutidos. As famílias decidiram continuar no local e entrar na Área pela manhã. Outras palavras de ordem eram proclamadas enquanto os trabalhadores soltavam fogos.
Moradores da região que apoiavam o retorno das famílias doaram um boi para a alimentação da multidão. Os camponeses logo se organizaram e prepararam ali mesmo uma refeição, a única fonte de alimentação em horas.
No início da noite ainda do dia 26/10, logo as barracas foram estendidas. As famílias se revezavam entre o descanso, os cuidados com os que estavam doentes e a tarefa de realizar a segurança dos camponeses. As tropas jogaram luzes dos automóveis e deixaram o giroflex ligado, como forma de ataque contra as famílias.
As mães e crianças foram “convidadas” pelo PM a passarem a noite no acampamento deles, com a condição de que não saíssem durante toda a noite e não mantivessem contato com o resto das famílias ou com quaisquer outros camponeses. As mulheres camponesas, no entanto, demonstrando desprezo às forças de repressão, recusaram e emendaram dizendo que não confiam na polícia que as agride diariamente com operações de guerra. Os camponeses também denunciaram que a atuação dos policiais era absurda.
Pela manhã do dia 27/10 mais tropas chegaram; os termômetros já marcavam quase 40 graus e diversas pessoas passaram mal, desidratadas. Apesar de terem acesso à água no local onde estava a base, a PM se recusou a ceder às famílias, agravando a má condição de saúde, especialmente dos idosos e das crianças, em que à desidratação se somavam a intoxicação promovida pelo consumo da água do alojamento que estava em condições insalubres.
Após cerca de 24h de resistência, iniciou-se a entrada das famílias, na tarde do dia 27/10. Diante da derrota iminente, as tropas raivosas continuaram as ações ilegais, recolhendo fotos e números de RG, CPF e lotes em que cada camponês morava, como condição para que entrassem. Fizeram, de forma abusiva e violenta, revistas em todos os veículos, malas e também nos camponeses, incluindo as crianças.
Uma camponesa relata: “A criança está doente, no sol, sem nenhum recurso, medicação não passou, as bolsas ficaram para trás. O filho da vizinha aqui está em desespero. É crítico o que está acontecendo conosco, desumano”.
Outro camponês durante a revista que eles chamam de “baculejo”, em frente aos policiais que reviraram todos os seus pertences, denunciou: “Isso aqui é humilhação para o povo trabalhador. Por que a polícia não está atrás de bandido? Eu sou trabalhador, nós temos as mãos cheias de calos, nós não somos bandidos. Isso aqui é uma humilhação muito grande. Pessoas passando mal ai, mulheres gestantes, crianças, sem água, sem alimentação. Os governantes do Estado deveriam tomar vergonha, é falta de vergonha na cara dos governantes do Estado”. E concluiu dizendo: “Nós entramos nesta terra e não vamos sair! Nosso lema é ocupar, resistir e produzir! A terra é nossa. É terra para quem nela vive e trabalha!”.
Esta fracassada tentativa de impedir os camponeses de retornarem às terras envolveu até o Secretário de Segurança do estado, Hélio Cysneiros Pachá (conhecido por sua atuação à frente das tropas policiais na batalha de Santa Elina em 1995, o que rendeu a alcunha de “o carniceiro de Santa Elina” por parte dos camponeses). Pachá foi até o local pessoalmente em um helicóptero, conversou com o comando e se retirou.
Porém, nada impediu o retorno das famílias e, como resultado da luta persistente e organizada, logo no início da noite do dia 26/10 todos estavam no “barracão” da Área, local onde acontece a AP.
O VITORIOSO RETORNO
Ao chegarem dentro da Área, as massas camponesas altivas e cheias de ânimo diante da vitória se somaram às outras que não haviam sido expulsas e iniciaram o preparo da refeição. Os trabalhadores que tiveram suas casas destruídas se abrigaram no barracão, assim como as pessoas que integravam a Missão de Solidariedade. Os alimentos arrecadados com as campanhas de solidariedade, bem como medicamentos, foram entregues às famílias.
Na manhã de 28/10, uma grandiosa AP se iniciou. As famílias novamente cantaram com vigor o Hino Conquistar a terra, saudaram a grandiosa resistência empreendida e definiram que se preparariam para as futuras batalhas que virão, reafirmando que conquistaram aquelas terras.
Confira as imagens da equipe de AND:
Foto: Banco de dados AND
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O carniceiro de Santa Elina (Hélio Cysneiros Pachá), atual Secretário de Segurança, Defesa e Cidadania de Rondônia, foi avistado entre as tropas policiais. Foto: Banco de dados AND
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