20/12/2022

Dois pesos e duas medidas

No último mês de novembro, a estudante de enfermagem Rita de Cássia Matias Nogueira, de 28 anos, foi assassinada brutalmente por Iago Lacê Falcão (até então seu companheiro), no Rio de Janeiro. Após alguns dias desaparecida, seu corpo foi encontrado com diversos sinais de espancamento e tortura. O assassino confessou o crime.

Apesar disso, a polícia não efetuou a prisão de Iago, usando a justificativa de que já não havia mais flagrante. Segundo declaração do policial ao portal G1, “a prisão em flagrante, mais usada pela polícia, não estava caracterizada no caso, uma vez que ele não tinha acabado de cometer o crime e, como se apresentou em sede policial e colaborou com as investigações, descaracterizou a prisão temporária também"¹. Se semelhante “garantismo” valesse também para prevenir as execuções sumárias perpetradas todos os dias pelas polícias, nós poderíamos argumentar sobre o mérito, mas seria forçoso reconhecer na decisão alguma coerência. Ocorre que, quando o alvo é a juventude favelada e os que apertam o gatilho são agentes do Estado (e mesmo as polícias civil e federal, que são judiciárias, têm participado cada vez mais na linha de frente do genocídio institucionalizado, assim como a PRF, numa aberração maior ainda), a lógica que vale é a do atirar primeiro e perguntar depois. O “garantismo”, portanto, é apenas uma outra face da seletividade penal e da sanha punitivista, que faz com que a Polícia e o Judiciário decidam com dois pesos e duas medidas, a depender de quem está no lugar do carrasco ou da vítima.

Ao contrário do que se apregoa nas propagandas oficiais, a chamada violência doméstica não para de crescer no Brasil. Em 2022, por exemplo, aumentaram os casos de agressões (+0,6%), ameaças (3,3%), chamadas ao 190 (4%) e pedidos de medidas protetivas de urgência (13,6%). Os casos de estupro somaram 66.020, 4,2% a mais do que no ano anterior. Destes, 61,3%, envolviam meninas com até 13 anos. Em 2021, foram registrados 1.341 casos de feminicídio, e não se pode esperar, com base nos dados já citados, uma redução para o ano de 2022. (E deve-se sempre levar em conta a subnotificação).

Como se vê, os programas oficiais para reduzir a agressão e o assassinato de mulheres – como a Lei Maria da Penha – têm fracassado de maneira inquestionável. As mulheres pobres, quando decidem buscar ajuda e realizar denúncias, são tratadas de forma humilhante, são questionadas sobre o por que de estarem em determinada situação e frequentemente têm seus relatos invalidados. A situação ainda é mais grave quando são realizadas as abordagens policiais em favelas, em que estas mulheres têm seus filhos assassinados pela polícia e sofrem todo o tipo de violência psicológica, através de xingamentos e constrangimentos. O Brasil já é o terceiro país com mais mulheres encarceradas do mundo, a imensa maioria acusadas de tráfico de drogas. O mesmo Judiciário que diz combater os assassinatos de mulheres, não hesita em aplicar penas draconianas para mulheres que não cometeram crimes violentos, expondo ainda mais elas e suas famílias a todas as mazelas decorrentes do desemprego e da marginalização.


¹Fonte: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/11/18/laudo-aponta-que-tecnica-de-enfermagem-foi-morta-por-asfixia-e-apanhou-antes-de-morrer-suspeito-segue-solto-no-rio.ghtml





Nenhum comentário:

Postar um comentário

Notícias recentes

11 de janeiro: viva Helenira Resende!

No destaque, Helenira Resende durante congresso da UNE em São Paulo   No último dia 11 de janeiro celebramos, com ardor revolucion...

Mais lidas da semana