30/05/2023

Heroínas de Tejucupapo: resistência camponesa e indígena pela expulsão dos holandeses

Tejucupapo, pequeno distrito de Goiana, município do litoral pernambucano que divisa com o estado da Paraíba, foi palco de uma histórica resistência armada popular contra a invasão holandesa no Brasil, em 1646. Pela destacada liderança e participação decisiva das mulheres neste conflito, ficou conhecido como a Batalha das Heroinas de Tejucupapo, na qual os holandeses foram escorraçados da vila, quando tentavam saqueá-la pela terceira vez.

Em 1646 já fazia 16 anos que a Holanda tinha dominado parte do litoral do Nordeste brasileiro, abrangendo região que ia do atual estado de Sergipe até o estado do Maranhão. Neste tempo, Pernambuco vivia uma grave crise de fome, decorrente de várias batalhas que se travavam pela expulsão dos holandeses. Estes, contudo, ainda dominavam naquele ano parte central de Recife, onde hoje ficam os bairros históricos de Santo Antônio e São José, tendo sido cercados naquele local e ficando sem mantimentos pra se sustentarem, o que fomentou uma série de saques por parte das tropas invasoras holandesas contra as massas das localidades circundantes.

Naquele período, o vilarejo de Tejucupapo possuía apenas uma rua larga, ladeada por casas simples e uma igreja. A população local não escravizada, predominantemente camponesa e indígena, sobrevivia do plantio de mandioca, da pesca de mariscos, da venda de “pixains” (doce de coco típico da região, ainda preservado pela tradição quilombola) e outros produtos. Era uma terra, portanto, abastecida de alimentos pela produção camponesa, se tornando alvo dos holandeses, que estavam perdendo forças, sitiados na Capitania de Itamaracá. Assim, o pequeno vilarejo foi atacado violentamente pelo exército holandês por duas vezes em menos de um mês, pegando os habitantes de surpresa e saqueando por completo o local. A terceira investida dos holandeses, é a que se tornaria histórica, pela brava resistência que derrota os invasores. 

Já precavidos da situação dos últimos saques arrasadores, os moradores de Tejucupapo prepararam-se para se defenderem em um próximo ataque. Trincheiras foram preparadas para pegarem os holandeses de surpresa, enquanto algumas pessoas foram enviadas para a faixa do litoral, para observar a movimentação dos invasores. Em 23 de abril de 1646, em um dia de Feira, quando a maior parte dos homens havia saído para a venda de seus produtos no mercado (mariscos, peixes, doces caseiros, mandioca, etc.), cerca de 600 soldados holandeses tentam novamente saquear Tejucupapo. Avisadas da movimentação dos saqueadores, as mulheres se lançaram rapidamente à frente para defender suas terras, numa feroz resistência contra holandeses. Valendo-se apenas de armamentos rústicos, as mulheres, idosos e crianças tomaram parte na luta; enquanto os poucos homens que estavam no local faziam resistência à bala aos holandeses, as mulheres se revesavam em manter o fogo e lançar água fervente com pimenta nos olhos dos invasores, atarantando o inimigo e derrubando-os ao chão, enquanto pedras, paus, facões e foices serviam para aniquilá-los. As lideranças da resistência que mais se destacaram foram Maria Camarão, Maria Clara, Maria Quitéria e Maria Joaquina. Na batalha, mais de 300 holandeses foram mortos, representando derrota militar de grande impacto moral nas tropas invasoras, cujos sobreviventes fugiram desorientados.

O primeiro registro histórico deste fato heroico de nosso povo data de 1648, feito por um frei português, Manuel Calado, que presenciou os conflitos contra a invasão holandesa no Nordeste, e descreveu a resistência de mulheres e homens que permaneceram na vila de Tejucupapo. Durante o passar dos séculos, porém, muito pouco de outros registros escritos são encontrados sobre essa batalha. Em 1931, o proeminente jornalista pernambucano Mário Carneiro do Rego Melo escreveu, em justa homenagem àquelas combatentes do povo, que “E, com a cruz a espada, essas anônimas filhas de Tejucupapo esculpiram um dos feitos mais brilhantes da epopeia pernambucana e rasgaram as portas da imortalidade”. A heroica batalha das heroínas permaneceu viva através dos séculos, no entanto, principalmente por meio da tradição oral, que desde então transmite sua história e legado de luta, dignidade e heroísmo de geração em geração.

Desde 1998 a Batalha é celebrada no município e vilarejo de Tejucupapo com uma peça montada e dirigida por iniciativa popular, na qual tomam parte cerca de 320 pessoas, em sua maioria oriundas da própria vila de Tejucupapo. A apresentação é realizada anualmente para milhares de pessoas que vêm de diversos municípios e estados da região para assistir a peça, que é encenada por jovens da localidade, camponeses, marisqueiras, professoras e descendentes indígenas, no próprio solo onde a batalha ocorreu, em campo aberto, ao redor de um obelisco erguido em homenagem às heroínas, local que ficou conhecido como Monte das Trincheiras.

A Batalha das Heroínas de Tejucupapo é um grande marco na participação feminina na luta nacional, sendo também símbolo da resistência camponesa e indígena e de nossa nação contra os algozes colonizadores.



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