Liberdade – essa palavra
Que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!
Romanceiro da Inconfidência – Cecília Meireles
Nós do Movimento Feminino Popular saudamos a memória dos heróis e heroínas da Conjuração Mineira, que ousaram desafiar a coroa e a brutal exploração a que Portugal submetia à então colônia, parasitando seu povo para sustentar suas carcomidas instituições feudais. Devemos marcar este acontecimento e celebrá-lo como um dos grandes marcos da contínua luta do povo brasileiro contra a secular exploração e opressão a que é submetido por dominação estrangeira, num caminho pedregoso por sua própria constituição enquanto povo e nação. Nossa posição sobre esse evento é distinta e oposta à propaganda ufanista que trafica com seu significado, colocando seu maior nome, o grande Tiradentes, como representante da proclamação da República de grandes burgueses e latifundiários, serviçais ao imperialismo, que nenhuma identidade tem com os ideais verdadeiramente democráticos de uma nação livre e independente.
Onde há opressão há resistência
Como forma de sustentar suas velhas e carcomidas instituições feudais, Portugal cobrava taxas e impostos exorbitantes da população e sua ganância se alvoroçou ainda mais com o ascenso da extração de ouro nas Minas Gerais e, assim, determinava que a quinta parte do que fosse minerado devia ser entregue às suas autoridades. Com o esgotamento das jazidas e com a alta inflação, a população começou a se tornar endividada, não podendo mais pagar os impostos cobrados. Portugal, em decadência, já submetida à influência política, econômica e militar inglesa, avança sobre a população e instaura a derrama: confiscar a força os impostos e dívidas, entrar nas casas e tomar os bens que possuíam. Seria esta a gota d'água para o povo e, diante dessa ofensiva da coroa, se impõe a necessidade de uma organização superior, para iniciar e desenvolver seu processo de resistência contra o jugo da metrópole portuguesa.
Deste grupo de rebeldes, o alferes do regimento da cavalaria, mais conhecido como Tiradentes, foi quem simbolizou e ainda simboliza o movimento da Conjuração Mineira. Foi um grande agitador e propagandeador do movimento revolucionário, criticava abertamente Portugal e o governador, denunciando a relação de exploração da colônia pela metrópole. Sendo um homem do povo, destoava do restante do grupo por sua origem e posição de classe, por isso mesmo foi um dos poucos conjurados que chegou a defender a libertação dos escravos. Foi o mais radical dos ativistas, responsável por preparar o levante no Rio de Janeiro e seria também o responsável pelo início do levante em Minas Gerais, aquele que, com mais profundidade, assumiu a causa da Conjuração, seja em combate, seja na prisão.
Os planos da Conjuração fazem parte da significativa influência das Revoluções Burguesas de sua época, a Revolução Francesa e a Independência dos EUA, processos revolucionários marcados por ideais iluministas que contestavam o direito divino do rei e que contribuíram para fundamentar o caminho da luta contra a dominação colonial. Assim, para o sucesso do plano, os conjurados analisavam que o levante se iniciaria a partir do decreto da derrama que geraria grande rebelião popular, donde seria continuada até a tomada do poder político. Tiradentes prenderia o governador e este seria decapitado, nomeando-se uma junta para o governo. As tropas nas diversas vilas se reuniriam, o movimento atingiria o Rio de Janeiro e outras capitanias e aquelas que se tornassem independentes se uniriam tornando-se numa República. Quanto ao Programa de Governo, ele seria estruturado nos seguintes pilares: independência nacional; liberdade para o povo se instruir e divulgar suas ideias, produzir e comercializar segundo as suas necessidades; o estabelecimento de uma República Federativa; o fim da opressão e a passagem às mãos do Estado dos postos de mando da economia nacional; o desenvolvimento do progresso e da cultura; a industrialização do país; o direito da população se armar e defender seu país, além de garantias econômicas e sociais. Assim, as primeiras medidas do novo governo revolucionário seriam a criação de fábricas de tecido, ferro e pólvora; formação de milícias populares encarregadas da defesa; estabelecimento de uma moeda; estímulo a produção agrícola; anulação das dívidas com os cofres portugueses.
Nos reveses da luta do povo, a Conjuração Mineira foi alvo da mesma fúria reacionária que secularmente é imposta às aspirações das massas, o aplastamento a ferro, fogo e sangue. O governo, sabendo dos planos por um traidor, determina prisões, exílios e o brutal martírio de Tiradentes, que, no dia 21 de Abril, foi enforcado em praça pública e esquartejado. Medidas que, no mínimo, atestam o receio da coroa diante da possibilidade de novas rebeliões. A Conjuração Mineira serviu de farol para outras rebeliões se alastrarem por todo o território nacional à época, mas sob uma condição ainda superior: suas aspirações e ideais se popularizaram com massividade e se tornaram cada vez mais identificadas com as demandas mais profundas e sensíveis do povo e que culminam na Conjuração Baiana (1789) e na Insurreição Pernambucana (1817) – processos que já apontavam para transformações ainda mais radicais, tocado em importante eixo do modelo econômico: a escravidão.
Séculos passam e o sistema de exploração e opressão segue produzindo novas gerações de seus representantes, homens e mulheres responsáveis por capitanear a exploração do povo e que gozam dos mais altos privilégios. Em que se pese a amplitude histórica, na mesma Ouro Preto de Tiradentes o “novo quinto” passa a ser cobrado: mas agora com a privatização da água, recurso do povo por direito. E, uma vez mais, como prova da lei de ferro da história: diante dessa medida, cresce significativa resistência da população local, luta que se encontra cada vez mais capilarizada e que prepara uma robusta contraofensiva a mais um dos ataques do velho Estado. Para quantos sejam os “quintos”, maior será a combativa resposta de nosso povo. Hoje, como antes, o povo nunca parou de lutar.
Sublinhamos, ademais, o lugar de destaque que as mulheres ocupam nas reivindicações mais sentidas do povo: ombreadas aos seus companheiros homens, combatem todos os porta-vozes deste velho sistema de exploração e opressão. Ainda que o monopólio de imprensa burguesa busque ocultar a força revolucionária da outra metade do céu, processos históricos, como a Conjuração Mineira, demonstram que a sua contundente fúria sempre se levantará contra os velhos algozes, como seus certeiros alvos. Saudamos vigorosamente a memória das conjuradas Bárbara Heliodora e Hipólita Jacinta, símbolos timbrados da mais convicta consciência política dos ideais de liberdade, firmeza e inteireza revolucionárias. À Heliodora é atribuída a convicta afirmação de que mais honrado seria a morte do que a traição. À Hipólita é atribuído papel fundamental como fonte de informações dos órgãos do governo, cujo trabalho de inteligência conferiu valiosas informações ao movimento rebelde.
A ousadia e rebelião dos povos são condição absoluta para sua vitória, e deixam grandiosos exemplos às novas gerações de força e firmeza para empreender a pendente e profunda Revolução que nosso país demanda. Por isso, ao saudarmos a heroica memória do dia 21 de abril, queremos não só provar que o nosso povo sempre lutou, mas que seu exemplo e tirocínio segue vivo em nossas mentes e corações para levarmos a cabo nosso prolongado combate. Façamos as palavras de Tiradentes, pouco antes da sua execução as nossas: “Se dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria”.
Viva o 21 de abril!
Viva a heroica Conjuração Mineira!
Viva os heróis e heroínas do povo!
Pela nacionalização e industrialização dos recursos naturais!
Nenhum comentário:
Postar um comentário