08/03/2022

AND: 'Só a mulher proletária pode combater a opressão feminina'

Republicamos do Jornal A Nova Democracia: "Só a mulher proletária pode combater a opressão feminina" publicada na edição número 2 de AND com a entrevista com uma representante do Movimento Feminino Popular (MFP).

 

'Só a mulher proletária pode combater a opressão feminina'

 

Desde sua criação o AND procura o Movimento Feminino Popular pela diferença marcante frente às posições feministas. Finalmente, a professora Elba Ribeiro, formada em Ciências Sociais, expôs os objetivos do MFP, seu programa de lutas e princípios.

 

AND: Nas últimas décadas debate-se muito sobre o aumento da participação social da mulher. As organizações feministas propagandeiam como conquista as quotas obrigatórias de candidatas nas eleições, a ocupação de cargos de direção no mercado empresarial, elogiam as mulheres que assumem postos na máquina de Estado e de governos, por exemplo. O principal argumento usado pelas feministas, além do direito da mulher como cidadã, é que as mulheres têm uma sensibilidade especial conferida por características próprias do gênero. As mulheres são melhores que os homens? Um mundo mais feminino seria mais humano, menos injusto?

ELBA RIBEIRO: Esse argumento, aparentemente novo, tem a idade da sociedade de classes. Ao longo dos diferentes estágios dessa sociedade, desenvolveu-se uma pseudo-teoria da "natureza humana", que nega a luta de classes, a contradição inconciliável entre os seres humanos das classes exploradoras e das classes exploradas, opressores e oprimidos. A partir dessa premissa afirma-se a concepção de que sempre houve pobres e ricos, que a divisão social existente é uma fatalidade inevitável, faz parte da natureza humana. Como variante dessa "teoria", idealista e reacionária, apresenta-se a tese da "natureza feminina" (que nos tempos antigos fazia-se acompanhar do adjetivo "deficitária"). O objetivo é o mesmo: afirmar que existe uma natureza feminina em geral (características próprias de gênero, inerentes a todas as mulheres) eterna e imutável.

O feminismo burguês retira o adjetivo "deficitária", ou melhor, troca-o por "sensibilidade especial", não alterando em nada a essência idealista e reacionária. Por que? Porque fogem de uma análise de fundo, da origem da opressão sexual sobre a mulher, defendendo que basta que nós ocupemos os "espaços democráticos" e o mercado de trabalho, provando inclusive que somos melhores. Por que as mulheres em geral seriam melhores que os homens? Uma latifundiária tem mais "sensibilidade" para tratar o problema agrário e camponês? Ela não expulsaria aqueles que tomassem suas terras? As empresárias exploram menos seus operários, pagam-lhe melhores salários? As mulheres parlamentares fazem leis mais justas e são menos corruptas? As juízas são mais justas que seus colegas homens? As policiais femininas são menos violentas ao reprimir o povo?

Respondendo a última parte de sua pergunta, o mundo não tem que ser mais ou menos feminino para ser mais justo. Entendemos por mundo mais justo, o fim da exploração do ser humano pelo ser humano, o fim desta sociedade de homens e mulheres exploradores, sugando o suor de homens e mulheres explorados.

AND: Você concorda que existe uma opressão específica sobre a mulher e que ela é duplamente explorada? Qual é a origem dessa opressão?

ER: Primeiro sobre a origem desta opressão, ela se inicia com a propriedade privada, com a divisão da sociedade em classes sociais antagônicas. Inicialmente, o patriarcado derrubou o direito materno, atendendo à necessidade do homem de garantir a herança para seus filhos legítimos. A forma de família monogâmica garantirá essa nova exigência colocada. As novas relações de propriedade, entretanto, não dividiram a sociedade em homens e mulheres e sim em classes sociais. Assim, passam a existir homens e mulheres da classe exploradora e homens e mulheres das classes exploradas. A opressão sexual original, exigência da monogamia, aplicada sobre o conjunto das mulheres, desenvolve-se ao lado da opressão de classe. Sua intensidade e seus efeitos são relativos, portanto, à condição social da mulher, ao fato dela pertencer à classe exploradora ou à classe explorada. A família individual que se estabelece a partir daí, é a unidade econômica da sociedade de classes. No capitalismo, por exemplo, a exploração dos trabalhadores extrapola a fábrica invadindo seu lar. Para entender este problema é necessário compreender que o salário do operário não é mais que o necessário à sua sobrevivência e reprodução.

Quando a mulher cozinha, lava, passa, cuida dos filhos e dos idosos da família, e executa uma infinidade de outras tarefas domésticas, garante a reprodução da força de trabalho para as classes exploradoras na forma de trabalho gratuito, não pago. Os salários podem ser mantidos em níveis baixíssimos, uma vez que o empregador não precisa desembolsar nem um tostão para garantir seu empregado alimentado e vestido no dia seguinte deixando seus filhos cuidados em casa. É assim que o capitalista explora o operário de duas formas: na fábrica, com pouca paga, e em sua casa, através da exploração do trabalho não pago da mulher. As relações sociais e de produção no campo são ainda mais arcaicas e retrógradas. O assalariamento é totalmente precário e aparente, o que vigora são as formas semi-feudais como as parcerias de "meia", de "terça", o pequeno arrendo, etc.

A pequena exploração camponesa é inseparável da economia doméstica e da escravidão da mulher, que é responsável direta por grande parte da pequena produção, desde a lavoura ao cuidado dos animais, além de todas as tarefas do lar. Esta situação mantém a mulher camponesa mais subjugada que a operária, acorrentada pelas mais humilhantes condições, nas quais impera, pelos costumes seculares, sua inferioridade em relação ao homem, tendo de se submeter e se subordinar a ele por completo na vida familiar, favorecendo enormemente a exploração da classe camponesa pelo latifúndio.

As policiais femininas são menos violentas para reprimir o povo?

No caso da mulher trabalhadora da cidade e do campo, a exploração é dupla, pois o ingresso da maioria esmagadora das mulheres na produção não foi acompanhado de nenhum benefício que as alivie do trabalho doméstico.

Ao contrário, nas classes exploradoras, a mulher compra esse alivio das mãos das mulheres proletárias e camponesas, explorando-as como babás e empregadas domésticas. A libertação da opressão sexual é também comprada pela mulher burguesa e latifundiária, com sua emancipação econômica. Desta forma, as mulheres das classes dominantes são as únicas que podem atingir a mesma condição do homem de sua classe, nos marcos do sistema capitalista.

Um grande revolucionário latino-americano, o peruano José Carlos Mariátegui, definiu de maneira magistral essa diferença, contrapondo-se à falsa tese idealista da "natureza feminina", da "luta de gênero", da "união de todas as mulheres", afirmando: "As mulheres, como os homens, são reacionárias, centristas ou revolucionárias. Não podem, portanto, combater juntas a mesma batalha. No atual panorama humano, a classe diferencia os indivíduos mais que o sexo".

AND: Se compararmos a condição da mulher no início do capitalismo com as condições atuais, verificamos que muita coisa mudou. Uma série de conquistas, mesmo que restritas às classes dominantes e às camadas de classe média, terminam por alcançar também as mulheres trabalhadoras. Os movimentos organizados de mulheres comemoram a entrada da mulher no mercado de trabalho como uma conquista, ao lado do direito ao estudo universitário, onde em algumas áreas as mulheres são maioria hoje; do divórcio; do fim do pátrio poder, entre outras. Como você vê estas conquistas?

ER: É claro que houve avanços. E todos eles são fruto de muita luta, da classe operária principalmente e das demais classes trabalhadoras. É importante, porém, ressalvar que a entrada da mulher na produção capitalista não foi uma conquista, não partiu de uma reivindicação da classe. Pelo contrário, o desenvolvimento do maquinário, tornando supérflua a força física, permitiu ao capitalismo explorar a força de trabalho feminina e infantil. Como afirma Marx, "o gigantesco instrumento criado para eliminar trabalho e operários converteu-se imediatamente em meio de multiplicação do número de assalariados, colocando todos os indivíduos da família operária, sem distinção de idade nem sexo, sob a dependência imediata do capital ." Esta situação, portanto, não significou uma melhoria nas condições de vida das classes trabalhadoras, pois o que fez o capitalismo foi dividir entre todos os membros trabalhadores da família o salário do antigo chefe da família. A grande indústria ampliou o número de trabalhadores e também o grau de exploração sobre a classe.

É importante ressaltar o grande contingente social que representa hoje em nosso país a mulher trabalhadora. São dezenas de milhões. Massas populares conformadas por operárias, trabalhadoras em serviços, vendedoras ambulantes, empregadas domésticas. Entre essas mulheres, como resultado da degeneração de todo este sistema imperante, há um gigantesco e crescente contingente de mulheres pobres que são chefes de família, abandonadas pelos maridos ou mães solteiras, principalmente jovens que têm de se virar na batalha pela sobrevivência. Todo este contingente representa um tremendo potencial revolucionário.

O que a mulher trabalhadora ganha com seu ingresso no processo produtivo é algo muito maior do que o celebrado pelas feministas burguesas

Esse potencial revolucionário é, na verdade, a grande conquista dos trabalhadores com a entrada da mulher na produção. Portanto, o que a mulher trabalhadora ganha com seu ingresso no processo produtivo é algo muito maior do que o celebrado pelas feministas burguesas. A mulher operária amplia seus horizontes para muito além da cerca doméstica, ganha consciência de classe, desenvolve sua politização, entra na cena da luta de classes ao lado de seus companheiros de infortúnio, agregando uma força fabulosa à luta dos trabalhadores. O capitalismo amplia a exploração sobre a classe operária com o ingresso da mulher na produção, porém, ao mesmo tempo cria as bases materiais para que a mulher lute por seus direitos, o que é um ponto de partida para sua emancipação.

É isso que afirmamos com nossa palavra de ordem "Despertar a fúria milenar da mulher". As mulheres do povo são capazes de matar e morrer para defender seus filhos e, historicamente, têm dado mostras de sua heróica combatividade nas lutas populares. Mas, certamente, ao compreenderem a origem de sua opressão e exploração milenar em todo o mundo, através da sua participação nos movimentos revolucionários de sua classe, entre eles o movimento feminino sob a direção do proletariado, ela eleva sua condição de combatente defendendo não apenas seus filhos, mas todos os filhos do povo, toda a sua classe.

Quanto às outras conquistas, são resultado direto dessa contradição. O divórcio e o fim do pátrio poder, por exemplo, foram conquistados pelas mulheres na Revolução Francesa de 1789. Tão logo a burguesia instalou-se no poder retirou esses direitos por representarem ameaça à propriedade privada. O acesso à universidade, reivindicado já no século XIX, pouco representava àquela época e segue representando pouco, para as mulheres operárias e camponesas, que só chegarão massivamente à universidade quando sua classe estiver no poder.

AND: Você falou em emancipação da mulher. Qual a diferença entre a luta pela emancipação e a luta pela libertação da mulher?

ER: Estamos falando do ponto de vista de classe. De quem devem as mulheres trabalhadoras se libertar? Da exploração e opressão de classe exercida pelos homens e mulheres burgueses e latifundiários, no caso do Brasil, e não dos homens de sua classe. Por isso, a luta da mulher trabalhadora, hoje, é por equiparar-se à condição dos homens de sua classe, pois a mulher é duplamente explorada, como já vimos, e duplamente oprimida. É isto que significa emancipação da mulher, liberar-se da tutela do homem, estar em pé de igualdade com os homens de sua classe. E esta luta é condição indispensável para a sua libertação completa da exploração de classe. A libertação da mulher, entretanto, só será conquistada com a libertação de todo o povo.

AND: Em que se expressa a libertação e a emancipação da mulher trabalhadora? E possível alcançar essa condição hoje?

ER: A mulher jamais se libertará ou será completamente emancipada dentro do sistema de exploração capitalista. Em primeiro lugar, como acabei de dizer, porque quando falamos em libertação estamos falando de toda a classe. Em segundo lugar, porque a emancipação da mulher não significa apenas a incorporação de um grande número de mulheres à produção. É necessário que o conjunto, que todas as mulheres sejam incorporadas e em condições de igualdade com o homem. Para isso é fundamental atacar a raiz dessa desigualdade, que o trabalho doméstico seja reduzido ao mínimo possível, capaz de ser realizado por homens e mulheres, ao ponto de não representar uma sobrecarga para nenhum dos dois. E isso não ocorrerá no capitalismo pois, por mais que o sistema se desenvolva, ele não pode incorporar toda a população pobre à produção e conseqüentemente não o fará com todas as mulheres, muito menos ainda transformar o trabalho doméstico em indústria social (creches, lavanderias coletivas, restaurantes coletivos), pois a unidade econômica representada pela família é condição da qual o sistema não abre mão, pois ela potencializa a extração da mais-valia e amplia em níveis altamente rentáveis a exploração da força de trabalho das classes trabalhadoras.

O que afirmamos e reiteramos é que o capitalismo senta as bases para a emancipação da mulher trabalhadora, na medida em que a lança na luta de classes, politizando-a e elevando sua consciência de classe.

A tese da libertação feminina historicamente aparece como uma tese burguesa, defendendo como contradição principal a luta entre homens e mulheres em geral, camuflando a raiz da opressão da mulher. Esta tese se desmascara cada vez mais como feminismo burguês, que, com sua proposição de "união de todas as mulheres" independentemente de sua classe social, divide o movimento popular, afasta desta luta as mulheres das classes exploradas. O feminismo burguês, na verdade, opõe-se ao desenvolvimento do movimento feminino sob o ponto de vista de classe, sob a direção e condução do proletariado.

Entendemos que a luta pela emancipação das mulheres de nosso povo, pela sua libertação enquanto classe, passa obrigatoriamente, no Brasil, pela revolução democrática que seguirá ininterrupta até o socialismo. Só a revolução democrática pode solucionar o gravíssimo problema do campo em nosso país, promovendo uma verdadeira reforma agrária, libertando a classe camponesa e conseqüentemente a mulher camponesa das garras do latifúndio secular, escravizador e assassino. Só a revolução democrática libertará nosso país da submissão às políticas do imperialismo, de saque das nossas riquezas e matérias primas, dando fim ao império dos monopólios, iniciando a construção da grande indústria socialista. Para isso a revolução democrática deve iniciar a construção de todos os aparatos coletivos necessários à liberação da mulher do trabalho doméstico, para que seja possível o ingresso de todas nós no processo produtivo em condições de igualdade com os homens. Essa é uma tarefa indispensável que garantirá a valiosa contribuição da massa de mulheres proletárias e camponesas de nosso país, indispensável ao sucesso da etapa democrática de nossa revolução e de sua passagem ao socialismo.

AND: Gostaríamos que você falasse mais sobre essa transformação revolucionária do trabalho doméstico em indústria social.

ER: Veja bem, a função da família para as classes trabalhadoras é produzir os futuros trabalhadores (seus filhos), cuidá-los, alimentá-los, educá-los, repor a força de trabalho do marido de maneira que eles atendam às condições da exploração capitalista e latifundiária, ou seja, garantir que a família operária e camponesa se reproduza enquanto classe explorada física, intelectual, moral e politicamente. Essa batalha cotidiana das mulheres é chamada por nós de " trabalho invisível ". A chamada " dona de casa ", é a primeira que levanta, prepara a comida de todos da casa e é a última que come, limpa, lava na beira do tanque ou do rio, cuida dos filhos, enfrenta os cobradores na porta, socorre-se na vizinha porque as latas estão vazias, corre ao posto médico com o menino febril, ganhando em troca as varizes e lombalgias, e quando, ao final do dia, senta-se pela primeira vez, a maioria delas diante da televisão como fuga da imensidão de problemas, a casa já está toda desarrumada, os meninos já estão sujos, a pia já está cheia de louça, e muitos maridos encontrando-as assim, sentadas, lhes dizem: "êta vida folgada, o dia inteiro assistindo novela?"

A experiência da construção socialista na Rússia (depois União Soviética), a partir de 1917 até 1956, é muito rica assim como na China socialista, até 1976, onde assistimos ao exemplo prático da transformação do trabalho doméstico em indústria social. Parte das primeiras mudanças sociais fundamentais foi criar as condições para a socialização desse trabalho que prende as mulheres na lida caseira, como escravas do lar, esgotadas pelas tarefas mais mesquinhas, mais ingratas, mais duras e embrutecedoras, que as adoecem e lhes apresentam sempre uma nuvem negra no horizonte. O Poder Popular da China construiu milhares de oficinas em todo o país, onde voluntários, homens e mulheres, exerciam as tarefas domésticas. As famílias saiam para o trabalho e uma equipe vinha até sua casa limpá-la. As roupas por lavar, passar ou consertar eram apanhadas em casa e levadas para as oficinas especializadas. As refeições eram feitas nas fábricas e escolas, ou nos restaurantes coletivos construídos dentro dos conjuntos habitacionais. Para se ter uma idéia, arquitetos que se reuniram com mulheres trabalhadoras para discutir projetos mais funcionais de construção de apartamentos, receberam a recomendação de que não deveriam ser construídas cozinhas em cada unidade, bastava uma por andar, uma vez que sua utilização individual pelas famílias se resumia a esquentar água para um chá, ou esquentar a mamadeira noturna para os bebês, pois as refeições dos membros da família estavam garantidas pelos aparatos coletivos. O cuidado com as crianças era responsabilidade das creches e escolas públicas, onde a educação socialista afiançava a formação de crianças saudáveis física e ideologicamente. Os idosos não mais representavam um peso para a sociedade e cumpriam tarefas em diversos locais, especialmente apoiando o trabalho de educação das crianças e jovens, valorizados em sua larga experiência de vida.

De quem devem as mulheres trabalhadoras se libertar?

Ao coletivizar o trabalho doméstico, este deixa de ser "invisível", aparece claramente como uma produção como outra qualquer, demonstrando que esta carga sobre os ombros da mulher não é um destino assinalado pela "natureza feminina" e sim a forma de organização capitalista que o utilizava como forma de exploração. A coletivização desse trabalho demonstra que não se tira esse fardo dos ombros da mulher com a mera divisão das tarefas domésticas com seu companheiro (o que é possível ser feito, mas não resolve a questão de fundo). A coletivização socialista desse trabalho dá, pela primeira vez a ele, o caráter de trabalho útil e necessário a todos, conferindo-lhe o reconhecimento social.

Acaso podemos pensar nesta forma de organização social dentro do capitalismo?

AND: O problema que mais tem mobilizado a opinião pública, sendo muito explorado pela mídia, é a chamada violência social, incluída aí, é claro, a violência sobre as mulheres, a prostituição infantil, o abandono das crianças. O que você pensa sobre isso?

ER: A violência crescente é o reflexo da degradação da vida humana provocada pelo sistema imperialista que só tem feito aumentar a exploração, a miséria e a opressão sobre a maioria da população mundial. Não há outro motivo, e toda a especulação e sensacionalismo que se faz em torno desse gravíssimo problema é uma tremenda hipocrisia. Nas grandes cidades, o governo sabe muito bem que o tráfico de drogas e armas nas favelas é varejo. Que as armas não chegam ao país em barcos para serem entregues na praia e sim em contêineres, passando pela alfândega e enriquecendo altos funcionários públicos, uma centena de pessoas envolvidas na garantia de sua entrada no país. A chamada violência social, na verdade, é um grande negócio que maneja milhões de dólares no governo, na mídia, e inclusive nas bolsas de valores . As campanhas pela paz, apesar de um certo número de pessoas participarem acreditando sinceramente que podem resolver, servem apenas como instrumento de demagogia, reforçando a política de criminalização das ações de resistência do povo, visando desarmá-lo e torná-lo culpado da violência que se abate sobre ele.

No campo, os camponeses pobres que lutam pelo direito sagrado à terra para plantar, são tratados à bala e os números de mortos na luta pela terra no Brasil não são computados pelos governos como resultado da violência social. A polícia sobe nos morros atirando, e quando o povo reage, por uma questão de sobrevivência, a mídia noticia como confronto, "a polícia foi recebida à bala". Os carros metralhados dos "bandidos" atestam a farsa dos confrontos. Os números divulgados nos últimos dias pela mesma mídia atestam o impossível: mais de quatrocentas mortes em confronto com a policia, nenhuma do lado da repressão. E ainda querem fazer propaganda que estão mal armados, que os bandidos têm mais e melhores armas que a polícia, que são muito violentos. Estranha violência, estranho armamento tão poderoso, quando os números dão um resultado de 400 X O a favor dos órgãos repressivos.

O que é a prostituição infantil, o abandono de milhares de crianças nas ruas, a exploração do trabalho infantil, senão o resultado da crueldade desse sistema econômico desumano? Qual é a causa da violência dos homens sobre as mulheres, senão o sistema da propriedade privada, com sua ideologia de opressão de classe e opressão sexual, para garantir que as mulheres cumpram a função a elas reservada de reprodutora e escrava? O sistema incute no homem do povo a concepção chauvinista machista, a mídia, a religião, a escola, ensinam que "o lugar da mulher é na cozinha", que ela é a "rainha do lar", que não deve meter-se nos "assuntos dos homens", etc. A ideologia da exploração usa os homens das classes exploradas inculcando neles toda sorte de preconceitos, mitos, "leis" terrenas e divinas para que eles cumpram o papel de prender suas mulheres a essas normas. Dessa maneira, toda a sociedade, homens e mulheres estão formados sob a influência dessa concepção. As próprias mulheres, sem se dar conta disso, vítimas do massacre ideológico da burguesia, educam seus filhos reproduzindo essa ideologia, fortalecendo nas filhas os conceitos de submissão e nos filhos os "direitos" do macho. É disso que temos de tratar, elevar a consciência das classes exploradas, das mulheres e homens, sobre a quem serve a opressão sexual da mulher, que não raro chega à violência física doméstica e não delegar à policia, através das delegacias de mulheres a solução do problema. O que fazem essas delegacias senão reprimir? Não somos um caso de policia, a libertação da mulher é uma luta revolucionária, não quer nenhuma proximidade com o aparato repressivo e que, pelo contrário, se desenvolve contra esse aparato.

Me dão asco as campanhas de esmolas divulgadas luxuosamente, um grande negócio, rendendo milhares de dólares para a Rede Globo, do tipo "Criança Esperança". Da mesma forma me enojam as campanhas contra a violência doméstica, que tratam de maneira superficial o problema, culpando apenas os homens do povo, especialmente, e não a ideologia burguesa e latifundiária machista, que é enfiada cotidianamente na cabeça de homens e mulheres pelas novelas e programas do tipo "Acorrentados", "Casa dos Artistas", "Big Brother" e o escárnio contra a mulher nas peças teatrais apresentadas sob o titulo "A vida como ela é" (para o degenerado Nelson Rodrigues) reverenciado como o maior dramaturgo do Brasil.

Os algozes do povo apresentam-se diante das câmeras como seus salvadores. Os ideólogos da mulher objeto, fazem campanha contra a violência sobre as mulheres. É muita hipocrisia!

O povo tem de defender-se da violência do sistema com organização, porém com organização classista independente, desmascarando a manipulação de sua miséria pelos causadores dela.

AND: Como está organizado o Movimento Feminino Popular? Qual é o seu programa de lutas?

ER: O MFP é uma organização classista, que mobiliza e organiza as mulheres das classes populares. Porém, sob a hegemonia da classe operária. Isto quer dizer que a ideologia do nosso movimento é a do proletariado, que nos guiamos por essa ideologia revolucionária.

A construção do MFP é um processo longo e partimos do balanço histórico das lutas da classe operária e demais trabalhadores em geral e das mulheres que as compõem em particular, tanto ao nível internacional quanto de nosso país.

Por tudo isto, o MFP integra as organizações populares de defesa dos direitos do povo que lutam de maneira independente e classista, sem ilusão com esta democracia de fachada, pela construção de um novo Poder, o Poder Popular, que será conquistado pela ação das classes revolucionárias de nosso país — a classe operária, os camponeses e a pequena burguesia revolucionária (setores das classes médias, intelectuais honestos e estudantes); sob a direção da classe operária.

Nossa organização defende dois objetivos fundamentais para potencializar a participação das mulheres na luta popular: organização e politização.

Nos organizamos em núcleos territoriais. Há uma coordenação geral e as coordenações dos núcleos de mulheres por bairros, vilas e favelas nas cidades e por acampamentos, linhas e vilas nas áreas rurais, além de núcleos de estudantes secundaristas e universitárias e jovens proletárias e camponesas.

Não basta estar organizadas, esta organização requer uma elevação da consciência de classe, requer a politização da mulher como uma questão chave na conquista de sua emancipação, ou seja, que ela participe massivamente das organizações geradas por toda a sua classe. Por isso nosso programa de lutas está profundamente inserido nas lutas de todo o povo em geral e das mulheres em particular, porque elas enfrentam maiores obstáculos que os homens para participar da luta social. Dai a necessidade de uma organização específica, de métodos especiais de propaganda, da apresentação de suas reivindicações imediatas. Não estou falando das lutas travadas pelas organizações feministas que buscam apaziguar as massas femininas com reformas e desviá-las da luta revolucionária, aceitando as migalhas dos governos com suas bolsa-escola, programas de leite, delegacias de mulheres, etc... Falo das reivindicações práticas, que existem como reflexo da tremenda miséria e das vergonhosas humilhações que as mulheres de nosso povo sofrem.

As companheiras do MFP no campo, impulsionam a participação ativa das camponesas no processo de produção coletiva, nos grupos de produção, na construção de Escolas Populares e dos comitês de apoio às tomadas de terra; brigamos por assegurar a condição das companheiras participarem em todas as etapas da luta, garantindo as condições de sua presença nas reuniões, nos cursos, palestras e outras atividades. Nos centros urbanos concentramos a atenção no trabalho nas periferias, onde estão os bairros proletários, as vilas e favelas, nas tomadas de terrenos, nas fábricas, principalmente as grandes, onde tem aumentado significativamente o número de operárias; e na implantação de Escolas Populares e grupos de ajuda mútua que são coletivos de costureiras, faxineiras, cozinheiras, organizados para encontrar trabalho enfrentando a crise de desemprego. No campo e na cidade, uma luta se coloca como questão chave para a participação da mulher; a luta pela construção e manutenção de creches, que cumprem duas funções fundamentais: garantia da incorporação da mulher à produção e construção de uma nova concepção de educação das crianças, voltada para o coletivismo desenvolvendo a consciência de classe das crianças, que podem contribuir de muitas maneiras na luta do povo. Quanto às estudantes, jovens proletárias e camponesas, desenvolvemos ampla discussão sobre a opressão feminina, que se abate de maneira especial sobre as jovens, sem que estas e os próprios adultos se apercebam.

Combatemos a cultura imperialista que despeja sobre as jovens, particularmente sua cultura da alienação, das drogas, da prostituição, da ditadura da moda dos shopping-centers e modelos. Enfim, todo o conjunto de atitudes degeneradas divulgadas como demonstração de modernidade. Incentivamos as estudantes e jovens a ingressarem na luta popular, da mesma forma que as mulheres adultas, impulsionando sua organização e politização pela única via possível, através da incorporação no processo revolucionário de sua classe.

Buscamos também desenvolver a Solidariedade Popular, isto é, buscar soluções coletivas para os problemas das famílias mais necessitadas, contrapondo nossa ação à demagogia dos programas de cestas básicas do Estado e suas instituições ideológicas auxiliares como a igreja, que seguem a receita do imperialismo: empurrar para a miséria absoluta milhares de famílias e utilizar-se desses programas para garantir sua dominação, mantendo-as totalmente marginalizadas, economicamente dependentes, humilhadas pela esmola e incapacitadas de se organizarem para a luta.

 

AND: Você fala em luta revolucionária, posição de classe, politização. Como é a atuação do Movimento Feminino Popular em relação ao processo eleitoral. Há vinculação com algum partido?

ER: Respondo à sua pergunta com outra que nos fizemos e que nos levou, na prática da luta das massas, à conclusão que vou expor. Concretamente, que significado tem tido as eleições em nosso país? Que direito ou conquista do povo foi obtido através do processo da chamada "democracia parlamentar"? Os direitos que temos foram arrancados um a um com muita mobilização e luta dos trabalhadores. As eleições têm servido unicamente para renovar os representantes das classes dominantes no poder .Elas são um processo cheio de mentira, demagogia e corrupção. Para o povo não servem para nada. Só são importantes para as classes dominantes. O sufrágio universal sob o imperialismo tornou-se um instrumento de perpetuação do sistema. o MFP defende a organização classista e independente das massas, que sirva ao fortalecimento da luta pelos direitos do povo, pela . destruição desta velha ordem através da revolução democrática ininterrupta ao socialismo.

AND: Há alguma questão mais da qual você queira falar?

ER : Bom, há sim, gostaria de ressaltar algo de suma importância para nosso movimento e que julgamos fundamental. E a questão dos princípios .

Os princípios que norteiam nossa organização e nossa luta são os mesmos que presidem as ações das organizações de massas populares revolucionárias:

São as massas que fazem a história e são as massas que decidem tudo;

Manter nossa independência na luta, sempre nos apoiando em nossas próprias forças;

Sermos combativas e decididas, defendendo que é justo nos rebelarmos contra tamanha opressão e exploração;

Levar a luta reivindicativa das necessidades urgentes e imediatas das massas empobrecidas, mas com a consciência de que a solução de todos os problemas que afligem as massas oprimidas só será possível com a tomada do poder pelo povo;

Combater o oportunismo de forma inseparável do combate ao latifúndio, à burguesia e ao imperialismo;

Priorizar em nossas ações as massas de operárias e camponesas principalmente e sempre nos orientando para as mais pobres e exploradas;

É necessário organizar-se de todas as formas que o conjunto da classe criou e desenvolveu. A mulher deve participar em todas elas;

O MFP é uma organização classista, agrupamos as mulheres das classes populares na luta contra a opressão sexual e de classe;

Defender o internacionalismo proletário, compreendendo que a luta revolucionária só pode triunfar com a união de todos os povos e classes oprimidos.

 

 

 

 

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