16/07/2023

Criminalização do aborto: mulher responde a acusação de homicídio qualificado.

Uma jovem de 23 anos foi denunciada pelo médico e pode ir a júri popular por realizar um aborto clandestinamente. A mulher teve um quadro grave de hemorragia após realizar o procedimento em casa, e ao chegar ao hospital, a Santa Casa de Araguari- MG, a jovem foi denunciada pelo médico a quem contou sobre o aborto. Violando o sigilo médico, ele chamou a polícia militar que interrogou a paciente ainda na sala da emergência. Além disso, ela foi algemada pelas mãos e pés e mantida sob escolta da policial durante os três dias em que ficou internada.

Esse caso aconteceu em outubro de 2020, quando a mulher foi processada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG), que a acusa de homicídio duplamente qualificado, tentativa de abordo e ocultação de cadáver, podendo ser condenada de 12 a 30 anos de prisão caso seja confirmado esse entendimento pelo júri. Ainda em suas alegações o MPMG fez o pedido de prisão, alegando que ela “vive a vida normalmente, sem arrependimentos”, explicitando seu intuito punitivista e criminalizador da mulher.

Esse caso absurdo de criminalização do aborto reflete a realidade de muitos hospitais frente a procedimentos malsucedidos em nosso país. O médico, Pedro Alexsandro de Sousa, não seguiu o código de ética do Conselho Federal de Medicina, no que diz respeito ao sigilo profissional na relação entre médico e paciente, este garante que mesmo que o profissional se defronte com situações excepcionais, ainda assim não tem obrigação de reportar às autoridades. Ele delatou a paciente quando deveria guardar sigilo, esse fato além de uma ilicitude na coleta de provas do caso, revela a atuação inquisidora nos hospitais contra as mulheres que realizam o aborto.

Segundo o Código de ética médica do Conselho Federal de Medicina, é proibido ao médico “revelar fatos que tenha acontecido em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente”. Essa proibição se mantém ainda que: “o caso seja de conhecimento público ou que o paciente tenha falecido; quando de seu depoimento como testemunha (hipótese em que comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento); e na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredos que possa expor o paciente a processo penal.” Ainda segundo o código de ética médica “deve-se preservar o sigilo das informações do paciente, salvo em situações previstas em lei, onde a comunicação dos fatos implique na preservação da saúde e segurança pública, nos demais casos pode reportar as demais eventualidades em prontuário clínico para se preservar de eventuais desdobramentos”.

Violando o sigilo médico, Pedro Alexsandro de Sousa chamou a polícia e contribuiu para a criminalização da mulher. Fato que demonstra quão reacionária é a visão de uma parte dos profissionais que tratam as mulheres que realizam aborto clandestino como criminosas. Visão reacionária, busca apenas punir a mulher e não considera as condições de vida das mulheres que chegam a fazer tal procedimento. Sabidamente a imensa maioria são mulheres pobres que, não tendo condições de realizar o procedimento em clínicas com condições sanitárias adequadas, os faz de forma clandestina e muitas vezes sofrem complicações como hemorragias e a morte, e com isso os abortos clandestinos são a quinta causa de mortalidade materna no Brasil.

Além das complicações de um aborto clandestino, a hemorragia e sofrimento físico, a jovem foi desmoralizada sendo algemada pelas mãos e pés e criminalizada com processo criminal e possível júri popular que visa fazer do caso um verdadeiro palanque da criminalização do aborto.

Com a absurda imputação do crime de homicídio qualificado o ministério público e judiciário como parte do velho Estado não estão buscando com isso evitar a realização de abortos, não levantam as causas que levam as mulheres a esse procedimento evasivo, mas simplesmente defendem sua moral hipócrita por meio da culpabilização e penalização das mulheres.

É inaceitável que essa jovem seja condenada e passe vários anos na cadeia por causa de um aborto!

As mulheres devem ter o direito de decidir se querem ou não ter filhos, ter o direito aos seus próprios corpos respeitados e garantidas todas as formas de prevenir uma gravidez indesejada, não tendo que apelar ao aborto. E caso cheguem a fazê-lo devem ser assistidas em hospitais públicos e com todas as condições garantidas para realizá-los com dignidade.

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