22/07/2020

Situação política: compilação dos editoriais de A Nova Democracia


Publicamos a seguir uma compilação dos editoriais de A Nova Democracia publicados durante o aprofundamento da crise no país durante a Pandemia. São importantíssimas análises para estudo de nossas companheiras e todos que estiverem interessados em uma análise científica da realidade de nosso país.





Século XXI e medievo
Redação de AND
A falência histórica e política do sistema imperialista
A atual pandemia mundial revelou em poucos dias toda a falência histórica e a abominável existência política do capitalismo em sua fase monopolista, parasitária, em decomposição e agônica. Deixou patente o quanto os governos imperialistas e seus lacaios mundo afora desprezam a Humanidade e com quão crueldade tratam as massas populares. Como países desenvolvidos deixaram cair, como nunca em sua história e de forma patética, a máscara notoriamente exibida com jactância de melhor dos mundos, mas que nunca se prepararam para enfrentar calamidades de grandes magnitudes e totalmente prováveis, porque não é o que lhes interessa e convêm. Do que se incubem é, sim, da extração do lucro máximo, em todas as situações e por todos os meios, principalmente o de sugar os trabalhadores até a última gota de sangue e lançar guerras de rapina sobre as nações oprimidas, promovendo o extermínio de centenas de milhares a milhões de vidas, sob o descarado pretexto de defesa da sua velha e corrupta democracia.
É um sinistro reviver de épocas quase remotas da história da Humanidade, como meados do século XIV, quando ocorrera a “peste negra” (peste bubônica) que varreu a Europa e Ásia, matando 200 milhões de pessoas; ou mesmo o reviver de 102 anos atrás, quando da “gripe espanhola”, com morte de dezenas de milhões. Porém é revoltante que, em pleno século XXI, com as conquistas da ciência e tecnologia, ter tantas vidas humanas ceifadas impiedosamente pela incapacidade desse sistema de exploração caduco em socorrê-las. Incapacidade cabal por natureza de classe exploradora que se choca em tudo com os interesses da Humanidade e mesmo a vida. Foi uma desgraça terrível a “peste negra” e suas consequências, porém é compreensível dado o grau de atraso histórico da época. Mas o medievo em pleno século XXI é um crime de lesa-humanidade inaceitável!

Em todo o mundo o avanço do coronavírus, avassalador, demonstra toda a decadência das sociedades imperialistas e a dos países oprimidos, bem como a putrefação de seus Estados e regimes políticos. Trata-se de um império colossal de riqueza nas mãos de um punhado de parasitas, conquistado com escravidão e morte das massas populares de todo o mundo, especialmente dos países oprimidos. Segundo a insuspeita Oxfam, a parcela do 1% mais rico do mundo detém mais do dobro da riqueza possuída por 6,9 bilhões de pessoas; e os bilionários do mundo, que somam apenas 2.153 indivíduos, no ano de 2019, detinham mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas. E nada disso importa para combater uma pandemia relativamente simples, ao contrário, se explica. Os governos deixam morrer a míngua milhares de pessoas por dia, que logo somarão milhões em todo o mundo, tudo para não tocar nos grandes magnatas do capital financeiro et caterva.
A situação, portanto, em todo o mundo é de crescente situação revolucionária desigual em seu desenvolvimento, e que converge com a crise geral de decomposição do imperialismo que não dá sinais sólidos de recuperação com as políticas mais amargas aplicadas, ao contrário, tem agravado sua crise de superprodução. As explosões de revoltas das massas por todo mundo em reação a estas políticas de cortes de direitos e restrições das liberdades democráticas anunciaram o desenvolvimento, ainda que desigual, da situação revolucionária à escala mundial. Coincidentemente neste contexto surge o coronavírus como pandemia.
Sendo resultado de uma evolução biológica natural ou uma maquinação do imperialismo ianque (hipótese que não se pode descartar de todo, pois bem calha com os criminosos “jogos de guerra” do Pentágono, crente fervoroso do malthusianismo*), o coronavírus atua como pequenas bombas atômicas invisíveis, aparentando outra forma de guerra mundial. Não se deve esquecer dos artefatos atômicos que os Estados imperialistas e alguns dos seus lacaios detêm, de grande porte e em demasia em seus arsenais, para permanentemente intimidar os povos. A questão é que com a pandemia a negligência dos governos eliminará populações por eles consideradas excedentes, especialmente envelhecida e doente. De modo geral significa destruir forças produtivas, para logo justificarem novos e milagrosos “planos Marshall” em vista de recuperar a economia para nova expansão. A negligência é deliberada, advinda da natureza do imperialismo, porém tergiversada com doses reguláveis de dramatização pelos monopólios de imprensa – Rede Globo à cabeça no Brasil – para mitigar a revolta das massas. É a lei do imperialismo: as crises nesse sistema só são parcialmente debeladas com destruição de forças produtivas, matança de trabalhadores e populações “excedentes”, concentração/centralização de capital e conquista de novos mercados (guerra com arsenais bélicos).
Agudizam-se as contradições fundamentais, entre nações e povos oprimidos, como principal, entre superpotências e potências na disputa interimperialista e entre burguesia e proletariado nos países imperialistas. As massas serão, no que depender dos imperialistas, em seus próprios países e em todo o mundo, vítimas indefesas do vírus e, depois, da exploração desapiedada com demissões, redução de salários e corte de direitos, enquanto as corporações monopolistas terão seus prejuízos ressarcidos, como já ocorre em vários países, inclusive no Brasil. Em todo o mundo a reação levanta a cabeça impondo “toque de recolher” e Estado de Sítio para manter sua ordem reacionária de fome e de morte. Certamente, o plano imperialista de lançar tudo nas costas dos povos oprimidos e dos trabalhadores do primeiro mundo esbarrará na intrépida decisão das massas de combater por seus direitos e pelo fim dessa velha ordem. Não há solução possível que não seja a de avançar a Revolução Proletária Mundial, em cada país.

II
A situação política nacional, por sua vez, é bastante grave, com o isolamento político do fascista Bolsonaro e conspirações abertas dos generais golpistas, como possibilidade aventada e tornada pública pelos generais de substituir Bolsonaro por Mourão, como chantagem para fazer o “presidente”, mesmo revoltado, manter-se à coleira.
Fato é que Bolsonaro acumula fracassos, um após outro, no seu intento de assumir a direção do golpe militar. Está isolado no próprio Planalto por imposição do governo militar de fato, dos generais representantes do Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) reacionárias. Mas, valendo-se do poder legal de mandatário da nação, Bolsonaro vem tentando angariar apoio da opinião pública, apelando, como “o salvador” das dezenas de milhões de pobres que vivem às margens da economia, aos milhões de pequenos e médios comerciantes desesperados, a juntarem-se às suas hordas de seguidores na violação do “isolamento impositivo”. Isola-se quase que por completo e perde cada vez mais o apoio no seio das próprias classes dominantes e seus grupos de poder, no parlamento e no judiciário. Basta ver o afastamento de Ronaldo Caiado, o distanciamento da bancada dos latifundiários no Congresso e até as afirmações de Paulo Guedes corroborando com a política dos generais.
O isolamento político é tal que Bolsonaro se viu obrigado a diminuir o tom de sua agitação de difundir que o isolamento social não passa de uma conspiração para paralisar a economia e derrubá-lo a custo da miséria da população. Aceno este que visa acumular forças e capital político, como o “perseguido” e “injustiçado”, e conseguir maior poder de pressão sobre os generais, quando a situação da nação desembocar na desordem inevitável. Seu plano naufraga, e a direção dos generais no golpe contrarrevolucionário toma impulso. A chancela de “presidente operacional” dada ao general Braga Netto é mais um passo para fazer do governo militar de fato um governo militar de direito.
A crise do capitalismo burocrático, agravada mais ainda, lançará num curto período, novos milhões à situação de miséria. O velho Estado que fornece generosos “pacotes de incentivo” de bilhões a algumas dezenas de monopólios financeiros é o mesmo que oferece uma migalha às dezenas de milhões de massas. E sabe-se lá quando e por quanto tempo, só para tentar apagar o pavio da explosão de revoltas populares que já foi aceso.
Por que esse bando de reacionários não dedica seus esforços para entregar a todas as massas do país os materiais de proteção contra o contágio (álcool em gel, máscaras e outros) e os testes? Por que não obriga essas redes monopolistas de saúde a abrirem suas estruturas para atender toda a população em auxílio ao limitado e sucateado sistema público? A vida dos ricos vale mais que a dos pobres, não é senhores? Por que, em vez de ameaçar prender e reprimir as massas, a canalha que governa o país não põe todos os médicos das Forças Armadas e seus leitos a serviço dos miseráveis condenados à morte, sem acesso a nada e que sequer têm condições de se isolarem em seus barracos superlotados e apertados? São esses exploradores criminosos, culpados diretos e os negligentes que estão por trás de mais um genocídio das classes populares.
Todos os fatos apontam para tal situação na qual as massas estão desalentadas e entrando em desespero. Exigem uma solução aos seus problemas, e o dever chama, a plenos pulmões, os verdadeiros democratas e revolucionários a agirem. Por pequenos grupos,  mobilizá-las por rua, prédios, bairros, vilas e favelas, como no campo, em comitês sanitários de defesa popular. Exigir dos governos os equipamentos emergenciais de prevenção, tratamento, abastecimento de alimentos e utensílios de primeira necessidade. Porém, lutar por estabelecer redes visando assentar bases para um futuro sistema sanitário popular, sobre controle, gestão e direção das organizações classistas populares.


Nota:
* Teoria reacionária burguesa que, no essencial, coloca o crescimento da população mundial como responsável pelas mazelas do mundo, e não o sistema capitalista de exploração e opressão. Advoga que é impossível a sociedade humana prover a todos e harmonicamente, teoria desmentida com a crítica científica marxista ao capitalismo e com a construção socialista no século passado.




Prenúncios de novos tempos
Redação de AND
Nos tormentosos tempos em que está transitando o mundo, os protestos massivos que correram todo o planeta como rastilho de pólvora bastaram para comover os oprimidos da Terra e remexer de cima a baixo a velha ordem imperialista. A centelha foi a tortura e abate televisado do trabalhador negro desempregado em Mineápolis, Estados Unidos da América, o tão reverenciado santuário da democracia do capital. Das entranhas da superpotência hegemônica única, na velocidade do relâmpago e energia do trovão, as massas lançaram no ar emblemáticos prenúncios de novos tempos. 
Os monopólios de imprensa de nosso país se apressaram para condenar as violentas explosões de fúria da população negra, que se alastrou pelas cidades norte-americanas e capitais de todo o mundo. E mais do que repetir seus libelos hipócritas e meramente moralistas de condenação deste ignominioso crime de racismo secularmente cristalizado no cotidiano, a repercussão extraordinária dos acontecimentos foi, como sempre, remarcadas contra o “vandalismo” de “uns quantos”. Pois então, que dizer sobre o “vandalismo” de brancos, negros, asiáticos e latinos, em Londres, de botar abaixo uma estátua de bronze de comerciante de escravos, erigida em praça pública há mais de século e mantida até a providencial faxina? 
Cessado os dias de fúria explosiva, ao coro reacionário dos monopólios de imprensa juntaram-se os cacarejos dos arautos do pós-modernismo, como se numa celebração triunfante de amor e perdão, à causa de terem os protestos se transmutado em performances pacíficas, mas não pacifistas. O que, nem por isso, em muitas partes, principalmente nas cidades norte-americanas, fez com que as manadas pigs deixassem de acossar manifestantes com seu costumeiro protocolo de gás pimenta, lacrimogêneo e espancamentos, além de encarceramentos. 
É certo que é latente na sociedade, em todo o mundo, a justa repulsa ao racismo, mas as reações e explosões de revolta contra ele não se dão todo dia, enquanto que as abjetas manifestações dele, inclusive atos de brutalidade e assassinatos de negros por policiais brancos, não só no USA, são cotidianas. 
Desta vez os protestos no USA atingiram magnitudes não vistas desde a década de 1960, quando do assassinato do líder da luta pelos direitos civis, Luther King. Daí que os monopólios de imprensa, os partidos eleitoreiros e a intelectualidade burguesa de toda parte buscaram remarcar os fatos centrando sua condenação somente no racismo. Intento de destituir os gigantescos protestos de qualquer viés de classe e rechaço ao sistema de exploração e opressão imperialista, de que são porta-bandeira e que é o que mantém, alimenta e reproduz essa chaga infame. 
Ocorre que, o que determinou a magnitude mundial dos protestos e sua radicalização foi o contexto de estremecimento da colossal crise imperialista, atravessada pela pandemia da Covid-19, que pôs a nu a natureza e ação genocida desse sistema historicamente superado. 
Estão enganados, entretanto, os que pensam que nesta época poderão, como antes, seguir fazendo das mentiras, verdades; estão enganados se pensam que poderão manipular e enganar com o cretinismo parlamentar da farsa eleitoral e a domesticação do protesto popular. Iludem-se os que contam com que as ondas de protestos serão pacíficas só porque, a partir de certo momento das investidas violentas, os protestos tendem a repousar-se em busca de maior organicidade para o prosseguimento da luta. Isto é uma lei das ações de massas numa jornada. É quando os bombeiros da luta de classes, que não lograram cavalgar as massas, acorrem com os apelos de paz e não-violência para castrar-lhes a energia revolucionária que emana das contradições de classes. A violência nas ações de massas não é em si o objetivo, é o instrumento único de que se dispõem as massas para confrontar e vencer a violência de seus opressores e exploradores. 
Por isso mesmo, de nada valeram os toques de recolher no USA. Tampouco Trump arreganhar suas presas com ameaças de arremeter contra os manifestantes as Forças Armadas genocidas de povos e nações oprimidas do mundo. Isolou-se ainda mais na sociedade ao ponto de notórios e dissimulados reacionários, como Bush filho e Obama, além do atual Secretário de Defesa e o general ex-comandante das tropas ianques na ocupação e pilhagem do Afeganistão, fazerem questão de demarcar posição com o bufão. Trump já fareja derrota nas eleições do fim do ano. 
Não diferente ocorreu com seu capacho Bolsonaro. Em dueto com Mourão, apontou uma conspiração internacional para escorraçá-los do Planalto, quando as massas começaram a retomar as ruas, desafiando a pandemia, as hordas de “milicianos” e as forças da repressão, contra Bolsonaro e seu governo militar, contra o golpe e o fascismo. Apenas começaram. 
Os imperialistas se empenham em fazer crer que sua colossal crise foi obra da pandemia, mas não podem esconder a gravidade da situação em que estão afundados. A divisão e pugnas em seu seio se generalizam, e mesmo após imporem aos trabalhadores as mais brutais medidas de exploração e corte de direitos e restrição de liberdades democráticas não podem safar-se facilmente da catástrofe que se avizinha. A situação revolucionária que vinha se desenvolvendo de modo desigual por todo o mundo deu grande salto à frente. Não só a crise da sua economia está abalada profundamente, a crise política de dominação se mostra na maioria dos países. As massas que pareciam adormecidas e concretamente postas em isolamento pela pandemia, num estalar de dedos romperam as correntes e tomaram as ruas em todo o mundo de punhos cerrados apontando, de uma maneira ou outra, contra a velha ordem decrépita. 
Nada nestes dias foi mais significativo para simbolizar o que está se passando no mundo do que as palavras da pequena filha de Floyd ante a explosão de protestos: “Meu pai mudou o mundo!”, ou as da sobrinha dele, em seu funeral: “Sem justiça, sem paz!”. Não tem mais importância o sentido e intenção mais particulares que quiseram externalizar. Elas captam a atmosfera carregada na qual se acha encubada a revolução, catalisam-na, e, todavia, anunciam novos tempos. Ainda que não possam se dar conta da dimensão do processo de mudanças em que está entrando a história universal e das tormentosas tempestades sociais que nos anos e décadas seguintes ocorrerão, ainda que muita água tenha ainda de passar por baixo da ponte da história, todo esse prolongado processo dará luz ao Novo Mundo 

Editorial - A escalada da crise e as tarefas dos democratas revolucionários
Redação de AND
23 Junho 2020

A prisão de Fabrício Queiroz, no último dia 18/06, caiu como uma bomba no colo de Jair Bolsonaro, para usar uma expressão tão ao agrado do chefete fascista. Não foi, ademais, fato isolado: na esteira de dois inquéritos movidos no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) – o chamado “das fake news”, e o que apura a realização das manifestações golpistas – uma série de operações policiais foram desatadas, resultando inclusive na prisão de Sara Geromini, líder do grupo ultrabolsonarista “meia-dúzia do Brasil”.
A interpretação corrente nos monopólios de imprensa anota estes episódios como sinal do “protagonismo democrático” e da “independência” do Judiciário. O jogo, na verdade, é bem mais complexo e envolve atores com maior poder de fogo. Trata-se, como temos insistido, de uma disputa pelo comando do golpe militar contrarrevolucionário preventivo ao levantamento das massas. E nessa disputa o elemento decisivo, do ponto de vista da ordem reacionária, segue sendo as suas Forças Armadas, sobretudo, o Exército.
Assim, na decorrência da saída de Sérgio Moro do governo, dissemos, em “Demissão de Moro: a Bolsonaro só resta golpe ou rendição?”:
“É evidente que todas essas iniciativas golpistas e crimes cometidos pelo clã Bolsonaro são de conhecimento da PF e de todo o Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) há tempos, porém são instrumentos manejados pelos generais para contornar as crises políticas e pressionar Bolsonaro a seguir sua diretriz. (...) Uma vez impossibilitados de tutelar Bolsonaro para impedi-lo de lançar o país à desordem social generalizada e radicalização da luta de classes, é provável que os generais tenham ‘um plano B’, de pressioná-lo a renunciar, ameaçando trazer a público os seus podres e de seus filhos, tais como suas ligações com o sumido corrupto Fabrício, com o executado miliciano Adriano e com o assassinato covarde de Marielle. Casos até agora trancados nas mãos dos generais, para levá-lo a um possível processo de impeachment”. (Grifo deste editorial).
Passou-se, a olhos vistos, a este plano B, isto é, o impeachment ou renúncia de Bolsonaro. Imaginar que o STF, que se agachou vergonhosamente a estas mesmas Forças Armadas na véspera da votação do Habeas Corpus de Lula, e que esteve calado no último ano e meio diante das ameaças mais furibundas proferidas pelo lumpesinato mobilizado por Bolsonaro, acordou valente, num belo dia, seria o mesmo que crer em duendes. A prisão de Queiroz, que tramita na Justiça do Rio, foi ação milimetricamente calculada. Ora, os militares, que comandaram durante um ano todo o aparato de segurança pública fluminense, e que têm sabidamente o maior banco de dados sobre “crime organizado” do país, não podem ignorar a notória vinculação dos Bolsonaros com a milícia de Rio das Pedras. Inclusive, o obscuro, e trapalhão, Frederick Wassef pode ter sido infiltrado no clã presidencial, ajudando a montar a armadilha perfeita. Não se pode duvidar de nada: nesta noite cerrada de criminosos, todos os gatos são pardos.
Repercutindo a prisão de Queiroz, escreveu a articulista Eliane Cantanhêde, em O Estado de S. Paulo:
“A pergunta não é mais onde está o Queiroz, mas onde está Jair Bolsonaro. Com Fabrício Queiroz preso, Frederick Wassef desmascarado, a pressão de STF, TSE, TCU, Congresso, Justiça do Rio e movimentos pró-democracia, a situação do presidente da República vai se tornando insustentável. Cresce o alívio em setores governistas que se decepcionaram com Bolsonaro e agora trabalham pela ascensão do vice Hamilton Mourão. Neste caso, estão militares da ativa e da reserva. O temor desses setores era de que o torniquete fosse do TSE e estrangulasse a chapa Bolsonaro-Mourão, mas o cerco contra Bolsonaro, filhos, advogado e apoiadores mais radicais se fecha não no TSE, que pode cassar a chapa, mas no Supremo, onde as investigações envolvendo bolsonaristas de todos os tipos levam diretamente ao presidente e não há nada contra o vice”. (“Mourão no radar”, grifo nosso).
Para os revolucionários e democratas consequentes, independentemente da atuação desta ou daquela figura em particular, o mais importante é identificar as razões da passagem repentina a este plano B. Elas se dão sobre a base do isolamento a que chegou Bolsonaro nas próprias classes dominantes locais, que desde a demissão de Moro se expressa na pesada artilharia midiática dos monopólios de imprensa e manifestos da intelectualidade burguesa/pequeno-burguesa ante a agitação golpista das pantomimas e patuscadas fascistas de ataques ao Congresso e ao STF aclamadas pelo presidente. Principalmente pela eclosão das manifestações, que despertou nos generais o medo do “caos social” – num contexto de crises sanitária e econômica galopantes – e o perigo de que a generalização dos protestos tornasse incontrolável o apelo e a agitação golpista de Bolsonaro dentro dos quarteis. Não foi outro o significado do recado de Luiz Eduardo Ramos quando disse à oposição que “não estique a corda”.
O general Braga Netto foi imposto a Bolsonaro na Casa Civil, coisa que nunca foi bem digerida por “bolsonaristas-raiz” e pelo ideólogo da turma, Olavo de Carvalho, que já acusava o presidente de capitulação e de ser enganado pelos generais. Elevado a “presidente operacional” ou “chefe do Estado Maior do Planalto” (ou seja, governo militar de fato assumido com o agravamento da crise sanitária e econômica) Braga ao apresentar o “Plano Marshall” tupiniquim do ACFA na reunião ministerial de 22 de abril cruzou a linha do stress instalado no palácio. Ali o presidente virou a mesa, após amargar um ano na condição de refém dos generais. Com seu “agora acabou!”, partiu para a ofensiva, forçando a demissão de Moro, ameaçando levantar quartéis, dividindo o Alto Comando. Perdeu mais essa batalha: hoje, Bolsonaro retornou à condição de refém, porém muito mais enfraquecido e mais emparedado pelos generais
Repisamos o que sempre dissemos: trata-se de uma disputa pela direção de um mesmo projeto de poder antipopular e antinacional de centralização absoluta do  Executivo, divergentes apenas por qual via impô-lo. Do ponto de vista das massas populares e das organizações democráticas, o maior perigo seria sua instrumentalização para retirar as castanhas do fogo em favor de um dos grupos reacionários contendentes, após o que seriam o próximo alvo do acerto de contas que viria com força redobrada. Inclusive, vários instrumentos agitados por ditos “liberais” contra a extrema-direita, tais como a Lei de Segurança Nacional, são claramente reacionários e serão usados também contra o movimento popular tão-logo ele se levante com maior robustez. Não esqueçamos de que, para os direitistas, sempre haverá anistias e acordos possíveis.
Por isso, centrar os ataques apenas contra Bolsonaro, poupando os generais genocidas (o Ministério da Saúde tornou-se hoje uma Unidade Militar), seria grave erro; como também poupar o Congresso que nesses dias mesmos aprovou a prorrogação da suspensão ‘temporária’ de contratos de trabalho em favor dos patrões, ou o Judiciário racista, que encarcera em massa e fecha os olhos para o assassinato da juventude pobre e negra pelas polícias em todo o país. Claro que os democratas e revolucionários não abrem mão das liberdades democráticas, e a história ensina que somente o proletariado revolucionário pode ser seu mais consequente defensor. Mas mesmo isto só poderá ser assegurado pela mobilização independente das massas populares, rechaçando os acordões de cúpula e as soluções intermédias, tão ao gosto dos liberais burgueses. A Bolsonaro, por sua vez, só resta uma opção: ganhar tempo, adiar o desfecho das investigações – ainda que sinalizando uma “trégua” – à espera de uma condição favorável para o autogolpe, tendo ainda mais esvaziada no curto prazo a possibilidade mais extrema de se unificar as Forças Armadas na imposição de regime militar. Para ele, será isto ou a cadeia.
Nesse momento, a única coisa certa é que a crise está longe de um desfecho.


Editorial - Trégua impossível
Redação de AND
29 Junho 2020
Vimos, nesta semana, como previsto em nosso último editorial, Bolsonaro acenar uma trégua frente aos demais “poderes”. Trata-se, na verdade, de um duplo movimento: de um lado, refém que se tornou (novamente) do Alto Comando das Forças Armadas (ACFA), ele é obrigado a entregar peças, tão caras à extrema-direita, como o Ministério da Educação, no balcão de negócios para barrar o impeachment; de outro lado, enxerga nesse recuo passageiro a única oportunidade de ganhar fôlego, adiar o desenlace das investigações de que é alvo, à espera de melhores condições para o seu golpe militar.
Ocorre que, no Brasil de 2020, qualquer trégua duradoura é uma impossibilidade. O armistício instável nas cúpulas deste velho Estado reacionário não pode nem mesmo maquiar uma crise de dimensões bíblicas nas esferas sanitária, política e econômica. O Banco Mundial, insuspeito de esquerdismo, prevê recuo de quase dois dígitos no Produto Interno Bruto brasileiro deste ano, e a taxa escandalosa de 25 milhões de desempregados (sem contar os subocupados etc.) até dezembro. Quem ande pelas cidades brasileiras, agora que começa a flexibilização do isolamento social (que é tão atabalhoada e caótica como foi a sua imposição), percebe que vários comércios seguem de portas fechadas. Nenhum decreto oficial os impede de abrir as portas: simplesmente descobriram estar falidos, subjugados ao decreto inexorável da economia do imperialismo, que suprime os proprietários mais frágeis a cada nova crise, sempre em favor das corporações monopolistas. Como são estes pequenos e médios os que mais empregam – e os que mais pagam impostos – há de se medir o impacto devastador desta chacina econômica.
Ao mesmo tempo, ocorreu nesta semana um encontro de várias lideranças, que abrangem todo o espectro político oficial, denominado “Direitos Já”. É espantoso ver figuras como FHC, entreguista e agente notório do capital financeiro, balançar agora esta bandeira “progressista”, sendo louvado por todos os humanistas de ocasião. O que dizer de Luciano Huck, um torpe enganador de pobres, que, aliás, não tem lastro político nenhum, a não ser a unção um tanto reticente da Rede Globo e de uma dúzia de empresários milionários? Este campo representa a velha democracia, mutilada, senhorial, que deu em Bolsonaro. A “democracia” do monopólio da terra, da privataria dos serviços públicos, do genocídio da juventude pobre e negra bem como dos camponeses, quilombolas e povos indígenas, da impunidade para os torturadores de ontem e de hoje. Marchar com esta corja é, ao fim e ao cabo, favorecer Bolsonaro, deixando-o figurar sozinho, mais uma vez, como contraponto “a tudo o que está aí”. E, como sempre, Haddad, Flávio Dino e outros oportunistas lá estão, para dar uma coloração social a este liberalismo fedorento e putrefato, ainda mais sendo o arremedo semicolonial e semifeudal que é. Esta frente já nasce morta e é, se muito, uma espécie de vanguarda do atraso. Os democratas consequentes nada têm a fazer lá.
Da parte do movimento popular classista e combativo, só há uma tática aceitável: o vínculo mais estreito com as massas profundas de nosso povo, a defesa de seus interesses imediatos, o fortalecimento das suas organizações de base e, sobre este trabalho, a elevação da sua consciência de classe. Neste ou naquele lugar, em torno de questões concretas, pode-se trabalhar em conjunto com outras forças, desde que não se comprometa jamais a independência política do proletariado e sua hegemonia sobre as demais classes populares. Lembremo-nos sempre da advertência de Lenin, acerca da burguesia liberal: hoje (isto é, quando quer atrair o povo), radicais, republicanos; amanhã (quando quer descartar a aliança popular), traição, fuzilamentos.
O acerto de contas se aproxima e seu cerne não será o embate entre a velha democracia burguesa e o fascismo (o que não significa que a extrema-direita não possa lograr protagonismo temporário aqui ou ali, o que só faria acelerar o processo irreversível de reacionarização dos regimes demoliberais, com hipertrofia crescente do Executivo), mas entre a velha ditadura burguesa-latifundiária (em sua forma fascista ou com máscara demoliberal reacionária) e a nova democracia da aliança operário-camponesa, que é, pelo seu conteúdo, a única democracia autêntica e a cada dia que passa a única possível, porque será governo da imensa maioria. É em torno destes dois polos – ou destas duas vias – que se agruparão as demais forças da sociedade, porque são estas as classes cujos interesses são irreconciliáveis no século XXI. Como a história contemporânea provou à exaustão, não há caminho intermediário.

Editorial - As marionetes de sempre dos amos de sempre
Redação de AND
07 Julho 2020
No dia 26 de junho de 1964, o embaixador brasileiro em Washington, Juraci Magalhães, dava a famosa declaração, segundo a qual “o que é bom para o Estados Unidos é bom para o Brasil”. Mesmo no ambiente empesteado do regime militar, sua declaração repercutiu de modo bastante negativo no que restava de imprensa popular e democrática. Afinal, não foi o golpe dado com o verniz do “patriotismo” e da defesa da “honra nacional”?
Cinco décadas e meia depois, a história se repete como farsa da tragédia secular de nosso povo. Matéria veiculada no portal de “A Pública”, com nomes e indicações irrefutáveis, comprova a intervenção do FBI nos assuntos de política interna brasileira. Diversos agentes, vários dos quais sob codinome, agindo de maneira clandestina no País, orientaram pari passu a malfadada “Operação Lava Jato”, dirigidos por uma tal de Leslie R. Backschies. Antes, já haviam atuado na repressão aos protestos na Copa de 2014.
Confirma cabalmente o denunciado por AND, no Editorial A convulsão social inevitável e a necessidade da revolução, da edição nº 185 (março de 2017), em cuja denúncia certeira da acintosa ingerência ianque muitos viram "teoria da conspiração". Lá, afirmamos: "Ela [a "Lava Jato"] obedeceu ao 'Plano maior' do establishment e interesses do USA, preocupados com o grau de desmoralização no país que chegara a política oficial e as instituições do 'Estado Democrático de Direito', tão enaltecido como a 'democracia' e ideal de sistema de governo. Por trás dela estão mãos muito mais poderosas do que se imagina. Digamos que todo o planejamento das investigações, sua estrutura e método, foram preparados pelo FBI, tendo selecionado setores da Polícia Federal para operarem sob a centralização de alto mando militar das Forças Armadas como operação de fato. Como fachada legal preparou-se equipe de pessoal do Ministério Público 'imbuído' da causa da moralização da vida política e pública do país. Senão, como se iniciaria tal plano e, principalmente, como poderia chegar até onde tem chegado? A história política do país conhece inúmeras tentativas semelhantes arquitetadas neste objetivo e que foram aplastadas antes mesmo de dar seus primeiros passos".
A mesma potência estrangeira que articulou o golpe fascista elege e derruba governos no regime “democrático”. Certos círculos militares, extremados na defesa do bolsonarismo, que acusam a “mão invisível” da China mesmo em assuntos secundários (muitas vezes, através de conexões lógicas as mais extravagantes), silenciam ante as mãos e os braços explícitos de polícia norte-americana, pega no flagra, a intervir na política doméstica deste pobre Brasil semicolonial. Para completar o quadro vexatório – para eles, claro – não só estes fatos revelados não mereceram nenhum repúdio ou pedido de esclarecimentos públicos e contaram com o silêncio cúmplice dos monopólios de imprensa, como na mesma semana em que eles vêm à tona, Bolsonaro vai, acompanhado do general Ministro da Defesa, celebrar na embaixada do USA a data nacional deste país. É um escândalo.
Isto prova que, ao contrário do que seus ideólogos vituperam, o “Exército de Caxias” serve não ao Brasil, mas ao imperialismo. Nos tempos do seu sanguinário patrono, ao pré-imperialismo inglês; de 1945 em diante, ao imperialismo ianque. O golpe de 64, na verdade, foi dado para interromper um processo em marcha de ampliação da mobilização popular e reformas democráticas, que ameaçava a sujeição absoluta ao amo do Norte; agora, é como ofensiva contrarrevolucionária preventiva ao levantamento popular inevitável, dada à gravidade da crise geral a que foi levada o país por este sistema semicolonial de exploração e opressão e contra qualquer possibilidade de independência nacional que eles ameaçam a tal “ruptura”. No fundo, seu projeto nacional, inclusive para a Amazônia, é que o Brasil continue a ser, eternamente, um grande engenho. Ou um grande pasto.
Entreguistas! Vende-pátrias! Como bem falava o grande Nelson Werneck Sodré, estes generais verde-oliva nada mais são que fantoches de outros generais, estes sim com real poder de mando, quais sejam, General Eletric, General Motors etc etc. Villas-Boas, Mourões, Helenos, Azevedos, Ramos, Bragas Pazzuelos, são tão valentes em ameaçar seu próprio povo como dóceis em acariciar o amo. A entrega de mão beijada da Base de Alcântara está aí, como testemunho irrefutável destes tempos. Não podem afinal ser patriotas os que desprezam o elemento central de qualquer Nação, qual seja, o seu povo. De quebra, os valentes ainda completam seus privilégios de casta com os salários e as benesses do primeiro escalão federal, para o qual guindaram mais de 2,9 mil outros militares. Se houve algum empreendedorismo de vulto em nossa época, foi este. Ademais, em plena pandemia (um dos episódios mais sombrios de nossa história), o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) vê indícios de superfaturamento na produção de cloroquina pelo Laboratório do Exército. Substância que terá como único destino o lixo, porque inócua no tratamento do coronavírus.
Enganam-se, no entanto, estes senhores, se pensam que esta situação perdurará para sempre. As crises sanitária, econômica e política produzirão saltos na mobilização popular no curto prazo e levarão de roldão não só a Bolsonaro, como todo o gabinete de generais, que é o governo militar de fato. É sua culpa, sobre todos os outros, os prováveis mais de 100 mil mortos por Covid-19 e os milhões de famintos e desempregados. Para estes crimes, que superam os perpetrados entre 1964-1985, não haverá uma segunda anistia.
Editorial – Fascismo cotidiano
Redação de AND
14 Julho 2020
Escárnio. Não há outra palavra para designar a decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do último dia 9, que converteu as prisões preventivas de Fabrício Queiroz e Marcia Aguiar em domiciliar. As décadas de envolvimento com esquadrões da morte e extorsões, perpetradas pelo assessor de Bolsonaro, nada significam para o sr. João Otávio Noronha, notório carrasco de pobres presos. Enquanto Queiroz sai de Bangu, e Marcia, sob pretexto de “cuidar do marido”, regressa à casa, milhares de brasileiros doentes seguem penando nas masmorras do sistema prisional; mães presas não têm o mesmo direito reconhecido para cuidar de filhos pequenos, não raro, enviados para abrigos.
Claro que se trata de um jogo de Bolsonaro, buscando ganhar tempo para a sua “emboscada”. Oferece, em troca, qual um mercador, vagas no Supremo, apenas fazendo às escâncaras o que sempre se fez às escondidas. Dizer da política oficial brasileira que se parece com um balcão de negócios chega a ser ofensivo com os mais hábeis (digamos assim) comerciantes. Do ponto de vista estrutural, não ocorreu nenhuma novidade: desde sempre, no Brasil, o Judiciário racista decide segundo dois pesos e duas medidas. Nunca é demais lembrar que a imensa maioria dos encarcerados – os pobres e os pretos de sempre - são mantidos no inferno por crimes não-violentos, ainda que encarceramento por crime nenhum justifique tal inferno. Quase a metade deles sequer foi julgada. Como dizia Lima Barreto, “ora, a lei! Que burla! Que trabuco para saquear os fracos e os ingênuos”.
Parelheiros, extremo-sul de São Paulo. Uma mulher é brutalmente espancada por policiais militares, tem a perna quebrada, é asfixiada com as botas do PM sobre seu pescoço, algemada, arrastada pela rua e, na delegacia, é autuada por desacato, lesão corporal, desobediência e resistência, passando uma noite na carceragem. A covardia inominável foi filmada desta vez. Há algumas semanas, outro vídeo ganhou o mundo: registrava um policial sendo escorraçado por um morador de Alphaville, local de residências de luxo em São Paulo, sem esboçar qualquer reação. Se o mesmo procedimento adotado em Parelheiros fosse aplicado no bairro nobre, o policial não seria afastado das ruas. Ele seria preso e cairia o comandante e o secretário, ato contínuo.
Eis as magníficas instituições democráticas que a direita e os oportunistas buscam seduzir as massas a defender. A indiferença com que estas respondem ao seu chamado está muito mais próxima do repúdio que da apatia. Os operários e camponeses, a juventude das periferias, têm gravadas na pele as marcas deste nosso endêmico fascismo cotidiano.
O governo de turno não criou esta situação. Pelo contrário, Bolsonaro é fruto dela. Fruto, no curto prazo, do contexto específico de reação às manifestações de 2013-2014, que desatou a marcha para o golpe militar contrarrevolucionário preventivo, cujo desfecho ainda não ocorreu. No longo prazo, fruto da malfadada “redemocratização” que conciliou com os torturadores, que não desmontou os dispositivos fascistas incrustados no arcabouço legal brasileiro (cujo caso notório é a recepção, pela Constituição de 88, da Lei de Segurança Nacional dos militares), que seguiu prendendo e matando pobres, que manteve inalterado o monopólio da terra etc etc. Numa palavra, fruto do repúdio a um sistema político putrefato, formalmente democrático, mas essencialmente oligárquico, elitista, vedado à autêntica participação popular. Sem apontar também as causas, será inócuo bater-se apenas contra os efeitos. Seria, no caso, padecer da velha doença política chamada reformismo.
Por fim: consta que o Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) ficou “indignado” com a constatação, feita por certo figurão da república, de que as “Forças Armadas estão se associando ao genocídio” perpetrado pelo governo brasileiro frente à pandemia da Covid-19. Estes mesmos senhores não ficam indignados com o próprio genocídio, que ceifou impiedosamente a vida de mais de 70 mil brasileiros; não indignaram-se com os “elogios” que lhes destinou Olavo de Carvalho, ideólogo da extrema-direita (afinal, isto poderia custar alguns lugarzinhos rendosos na Esplanada dos Ministérios); nem indignaram-se com a escancarada interferência do FBI na política interna do país, comprovada por farto material colhido por The Intercept. Como dissemos em artigo da nossa atual edição impressa, sua verdadeira divisa é: “‘Braço forte’ contra o povo e os interesses nacionais, ‘mão amiga’ do imperialismo ianque”. A nossa divisa é: Revolução de Nova Democracia para derrubar toda esta crosta de malfeitores, fascistas, politicastros corruptos, grandes burgueses e latifundiários, todos eles parasitas do povo trabalhador e vendilhões da Pátria.
Editorial - Queimadas e outras Labaredas
Redação de AND
21 Julho 2020
Em seu clássico filme Queimada, de 1969, o cineasta Gillo Pontecorvo relata a brutal opressão colonial e a luta de libertação de um povo numa ilha caribenha submetida ao domínio português e, posteriormente, britânico. O nome da Ilha – Queimada – deve-se ao fato de os colonizadores portugueses terem incendiado todo o seu território no período de ocupação, como forma de quebrar a resistência dos povos originários. Alguns séculos depois, os imperialistas ingleses repetirão o mesmo procedimento. Embora a construção do enredo seja ficcional, ele funciona como uma alegoria de todo o processo de espoliação econômica e submissão política da América Latina, ao colonialismo primeiro, ao imperialismo mais tarde. Neste processo, a depredação do meio geográfico e do meio humano são inseparáveis; quase indiscerníveis.
O Brasil de 2020, governado de fato por uma junta militar, parece ter se tornado uma nova Queimada. Uma Queimada gigantesca, de proporções continentais.
Dois genocídios se cruzam neste momento. O primeiro, no contexto da Covid-19, que ceifou a vida de mais de 80 mil brasileiros, acontecimento tão sinistro quanto inédito em nossa história. Os que sobrevivem, fazem-no em situação de maior empobrecimento e submetidos ao nosso endêmico fascismo cotidiano. Na base desta inaudita degradação social – que não pode deixar de ser também degradação moral e cultural, com traços de grande salto para trás – opera uma cataclísmica crise econômica, agravada pela pandemia. Apenas nos últimos meses, 522 mil estabelecimentos comerciais fecharam as portas, quase todos eles, pequenos e médios (os que mais geram empregos e que mais pagam impostos). Os trabalhadores desempregados contam-se na escala de dezenas de milhões, embora as estatísticas oficiais sejam bastante criativas na produção de categorias mistificadoras da realidade. O consumo das famílias deve recuar a níveis inéditos nestes 12 meses, o que não deixará de impactar o consumo industrial, mormente, em país já tão severamente desindustrializado e dependente de importações, cada vez mais onerosas. Neste momento, o dólar está cotado em R$ 5,38.
Ganhando grande destaque nas manchetes, há um outro extermínio em curso: o da floresta amazônica e dos povos originários. Sua causa precípua é a grilagem voraz de terras e um modelo de “desenvolvimento” assentado na monocultura para exportação. Neste debate, tragédia e farsa não se alternam, mas ocorrem simultaneamente.
Comecemos pela farsa. Causa náuseas ver que para muitos ditos “pensadores brasileiros” - estes para os quais as páginas dos monopólios de imprensa estão sempre franqueadas - não é a sorte dos camponeses, quilombolas e povos indígenas o que conta neste problema, e sim, a “pressão internacional”, leia-se, a pressão do capital financeiro. Vende-se o mito, ele próprio de matriz colonial, de que a Amazônia é uma espécie de floresta verde intocada. As populações aí residentes, segundo esta concepção, são no máximo uma variação da fauna nativa, a ser tutelada. Afinal, é a mata (e a poderosa reserva de valor que ela contém) o que importa, e não o Homem. Mas o que é pior: quer-se debater a problemática “ambiental” dissociada da questão central aí envolvida, qual seja, a da propriedade da terra. Inventa-se mesmo um tal “setor progressista do agronegócio”, como se não fosse a própria estrutura latifundiária a responsável pelo que se passa.
Oras, por trás da depredação da floresta e dos povos originários está um modelo semifeudal – às vezes, com caracteres nitidamente feudais – de ocupação do território. Um modelo assentado na grande propriedade, perdulária, extensiva, de baixíssima produtividade, que só pode aumentar a massa de lucros devorando mais e mais terras. Um modelo assentado na grande propriedade que se forma não através de relações capitalistas típicas, de compra e venda, reguladas, em grandes linhas, pela lei do valor. Não: no Brasil de 2020 a grande propriedade se forma através do trator e da bala. No estado do Amazonas, por exemplo, levantamento recente revelou que 96% das propriedades acima de 3 mil hectares estão assentadas em terras públicas devolutas. No estado do Pará, numa varredura feita pelo governo estadual, verificou-se um total de 486.194.000 hectares registrados nos cartórios. Conta impossível: seria o equivalente à metade do território nacional. Segundo o geógrafo Ariovaldo Umbelino, repercutindo os acontecimentos de 2019, “os incêndios na Amazônia têm a ver com procedimentos que os empresários brasileiros adotam, com interferência direta no processo de ocupação da Amazônia. Como o processo se dá por meio de grilagem, é necessário abrir pastos e derrubar árvores para completar a ocupação”. (Correio da Cidadania, 30/08/2019). A pistolagem e a implacável perseguição policial e judicial aos combativos dirigentes camponeses, indígenas e quilombolas completam este tenebroso mosaico.
A farsa, no entanto, chega ao paroxismo quando se inventa, como já apontamos, um tal setor “progressista” do agronegócio, que seria contrário à política de Bolsonaro. Como se sabe, de um lado, também a formação da grande propriedade da soja – exemplo deste pretenso latifúndio moderno - está assentada na grilagem de terras públicas e no extermínio dos povos originários; e de outro, nada seria dos grileiros da Amazônia se não houvesse toda uma cadeia a quem eles escoam o produto do seu saque. Alguém, afinal, compra, processa e embala a carne e a matéria-prima de sangue. 
Aqui, falando da farsa, já entramos em cheio no terreno da tragédia. Tragédia que perdurará, enquanto não destruirmos o próprio “modelo brasileiro de desenvolvimento”, para usar uma expressão tão cara ao regime militar, promotor, aliás, da ocupação da Amazônia pelos grandes latifundiários na década de 1970. Exército e latifúndio são inseparáveis em nossa história, aquele sempre a serviço dos interesses deste. Vão-se os governos, ficam os coronéis.
Enquanto esse modelo semifeudal-semicolonial perdurar, seguirão chorando Marias e Clarisses, nas periferias das metrópoles imensas como nos acampamentos camponeses arrasados e territórios indígenas saqueados. Até que sobrevenha uma Revolução democrática, agrária e anti-imperialista, persistirá a nossa sina de grande Queimada.
Porém, como os camponeses conhecem de saber de sua dura lida usar o fogo para deter uma queimada, saberão levantar as labaredas desta Revolução!



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Notícias recentes

11 de janeiro: viva Helenira Resende!

No destaque, Helenira Resende durante congresso da UNE em São Paulo   No último dia 11 de janeiro celebramos, com ardor revolucion...

Mais lidas da semana