Reproduzimos a seguir matéria de Milca Abigail publicada no Jornal A Nova Democracia Ano XVII, nº 215 - 1ª quinzena de Setembro de 2018.
Medidas protetivas: O velho Estado não pode assegurar a vida das mulheres
No
dia 28 de julho, Jéssica Junkherr, de 27 anos, foi assassinada com dois
tiros no rosto efetuados pelo ex-marido, que depois do crime tentou se
matar. Ele não aceitava o fim do relacionamento. Jéssica já havia
denunciado o ex-companheiro e pedido medidas protetivas por duas vezes
no mesmo mês.
Um caso bárbaro, porém que se repete com certa frequência. Em junho,
uma outra jovem, Tauane dos Santos, de 23 anos, foi assassinada por seu
ex-companheiro no Distrito Federal. Após agredir e tentar esganar
Tauane, revirar sua casa e destruir vários móveis, Vinicius de Souza, 24
anos, foi preso quando vizinhos chamaram a polícia, no dia 3. Foi
liberado após audiência de custódia no dia seguinte, e voltou à casa da
ex-companheira, no dia 6 de junho,esfaqueando-a várias vezes. Após o
ocorrido, Vinicius tentou se matar.
Retomemos também o caso de Remís Carla, 24 anos, estudante de
pedagogia e militante de organizações revolucionárias, como o Movimento
Feminino Popular (MFP) em Recife. Após seis dias desaparecida, a jovem
foi encontrada morta, em dezembro de 2017, a dez metros da casa de seu
ex-companheiro, contra quem já havia feito denúncias. Remís foi
estrangulada por Paulo César da Silva, de 25 anos, até a morte e, em
seguida, enterrada enrolada em lençóis, conforme averiguaram as
investigações.
Em todos esses casos as vítimas já haviam feito denúncias e em dois
deles elas já haviam solicitado medidas protetivas. Dada a morosidade e
falência do judiciário e outras instituições, essas medidas não foram
dadas ou não chegaram a tempo.
Tome-se também o tratamento dado a
esses casos de violência por parte das autoridades policiais, no qual os
agentes, expressando o caráter desse Estado, exprimem em que lugar veem
as mulheres. Como destaca o MFP, “este Estado não cumpre as medidas
‘protetivas’ previstas em tal lei. E o próprio tratamento desprezível
que dispensam aos casos de violência contra mulheres deixa patente o
vínculo existente entre a opressão da mulher e a dominação de classe”1.
“Um mês antes [de sua morte], no dia 23 de novembro, a companheira
Remis havia registrado uma ocorrência na Delegacia da Mulher denunciando
agressões de seu ex-namorado. Como era de se esperar, o tratamento das
autoridades policiais foi deplorável. Chegaram a perguntar-lhe se os
roxos no braço não eram tinta de caneta!”, segundo relatou a Executiva
Nacional dos Estudantes de Pedagogia.
Não são poucos os exemplos nos quais as leis criadas para assegurar a
vida e a proteção de mulheres são incapazes de impedir finais fatais.
Falência da ‘Lei Maria da Penha’
A Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, apresenta como objetivo
proteger e garantir às mulheres recursos legais contra a violência
doméstica e familiar. Esperava-se, com esta lei, coibir os casos de
violência doméstica, tanto por meios educativos preventivos, como com
punições e investigações mais severas alterando o código penal.
No entanto, os dados e notícias divulgados não refletem isso.
De 80 mil casos de agressões a mulheres jovens e adultas registrados
em 2014 pelo Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan),
vinculado ao Ministério da Saúde, os principais agressores foram os
parceiros ou ex-parceiros na metade deles. Um elevado número de
agressões domésticas.
Em 2017, o Brasil teve um aumento de 6,5% comparado ao ano anterior,
em número de homicídios de mulheres; destes, 946 dos casos foram
declarados como feminicídio. Dados estes subestimados e subnotificados,
já que a lei que configura o crime de feminicídio data de 2015 e vários
são os estados que ainda não os contabilizam ou possuem dados parciais
sobre os casos. Apesar disso, o país ocupa a 5ª posição no grupo de
países com maior taxa de feminicídio.
A criação de “canais de apoio” e de denúncias fez com que mais
mulheres tentassem acabar com seu sofrimento recorrendo às delegacias.
No entanto, este velho Estado não é capaz de assegurar às mulheres
proteção alguma pois, na verdade, é ele quem fomenta e reforça a
violência contra o povo e, em particular, contra a mulher.
Assim, o que vemos é uma aparente facilidade para a mulher denunciar
casos de ameaças e agressões, porém, a mulher só faz expor-se mais ao
seu algoz. No cenário: o agressor; e nos bastidores: o Estado e suas
instituições falidas.
Só a Revolução atenderá às mulheres
Nenhuma lei será capaz de resolver sozinha a questão da mulher. Menos
ainda nos marcos desta sociedade. O caminho que deve ser seguido para
varrer a subjugação da mulher e a violência contra ela é um: a
Revolução.
Como destaca o MFP, “o caráter essencial da opressão feminina é de
classe, da condição de classe explorada e oprimida. Corresponde à
divisão da sociedade em classes sociais com o aparecimento da
propriedade privada, a passagem da constituição familiar baseada no
matriarcado para o patriarcado, com o sistema monogâmico de casamento,
necessário para solucionar o problema da herança”2.
Submetida à escravidão do trabalho doméstico e sendo este um trabalho
hoje não remunerado e invisível por uma necessidade da burguesia, a
mulher é colocada numa posição social menosprezada, mesmo com relação ao
homem de sua classe. Desta base material, de seu trabalho invisível e
sua importância social relegada desde o surgimento da propriedade
privada, erige uma complexa superestrutura que se condensa, dentre
outras, na tese reacionária da “natureza deficitária da mulher”.
Daí e de tantos outros fatores, como a própria dinâmica e pressão
exercida pela ideologia burguesa sobre a mente dos homens do povo (a
concepção burguesa de que a mulher é sua propriedade privada), surgem os
antagonismos nas relações entre homem e mulher, nas relações
matrimoniais, que levam ao crescimento do feminicídio.
No campo das massas populares, a política adequada, segundo o MFP, é a
de, em meio à luta de classes, “elevar a consciência das classes
exploradas, das mulheres e homens, sobre a quem serve a opressão sexual
da mulher, que não raro chega à violência física doméstica”. O centro
dessa política é a organização dessas mulheres na luta revolucionária.
No entanto, somente grandes revoluções proporcionaram historicamente à
mulher, no Socialismo, a integração completa na produção social e sua
emancipação da escravidão doméstica, transformando o trabalho doméstico
em uma indústria social reconhecida e remunerada, além da plena
igualdade jurídica com o homem. Com isso, destruiu-se a base econômica
da opressão feminina, cuja emancipação completa-se, de acordo com a
concepção proletária do problema feminino, no Comunismo.
O velho Estado brasileiro, no outro polo dessa contradição, não tem
autoridade para arguir nestes assuntos. Somente as próprias mulheres do
povo, junto aos homens de sua classe na luta contra o capitalismo
burocrático, a semifeudalidade e o imperialismo, podem eliminar todas as
amarras ideológicas da velha ordem e pôr fim a toda exploração e
subjugação.
Notas:
1. Nota de consternação e repúdio pelo assassinato da companheira Remís Carla (LCP e MFP Norte de Minas
2. Entrevista cedida ao AND: Só a mulher proletária pode combater a opressão feminina
Nenhum comentário:
Postar um comentário