21/01/2024

Aurora Picornell - símbolo de mulher comunista


A história da comunista espanhola Aurora Picornell, ainda pouco conhecida internacionalmente, é razão de imenso orgulho para as comunistas de todas as épocas e continentes devido ao marcante trabalho ideológico, político e orgânico realizado por ela nos duros e difíceis anos da década de 1930, na Europa, particularmente na Espanha. Ao longo de sua curta vida e pujante trajetória revolucionária e comunista, principalmente naquele cenário tão complexo e sinuoso, ela cumpriu suas responsabilidades e elevou o papel decisivo das mulheres comunistas na luta pelo irrenunciável futuro da sociedade sem classes, o luminoso comunismo.

Após 14 de abril de 1931, dia da proclamação da Segunda República Espanhola, e na sequência do êxito republicano nas eleições municipais, abriu-se um período de muita efervescência política na Espanha, assim como na Europa do pós-guerra, com a vitória magnífica da Gloriosa Revolução de Outubro, de 1917. Os democratas, progressistas e, especialmente os comunistas, entre eles as mulheres comunistas, desenvolveram então, incansavelmente, suas tarefas para a construção de novos partidos comunistas, lutando contra o revisionismo como perigo principal e impulsionando a luta das massas contra o imperialismo e as reacionários locais.

Assim foi com Aurora Picornell

Nascida no dia 01 de outubro de 1912, em Palma, capital de Mallorca, a maior das Ilhas Baleares, localizada no Mediterrâneo, ao leste da Espanha, Aurora Picornell Femenias pode ser considerada um paradigma de jovem comunista proletária, diretamente comprometida com a luta de classes, e nela, com a politização e organização das mulheres do povo. Sendo a sexta entre os sete filhos de Gabriel Picornell e Joana Femenias, uma família proletária, laica, vista por todos como de esquerda, ela logo se envolveu nas lutas classistas que explodiram no período, em Mallorca, acompanhada de toda sua família já envolvida com o Partido Comunista. Aurora e sua irmã mais nova, chamada Liberdade, receberam nomes expressivos, que podiam ser interpretados como símbolos do futuro de transformação política e social ansiado por seus pais.

Desde muito cedo, Aurora participou de diversas atividades em defesa dos direitos dos operários e das mulheres trabalhadoras fazendo também, logo, uma clara opção pelo laicismo em um país de forte tradição católica. Por isso, a primeira associação na qual Aurora se integrou foi exatamente a ‘Liga Laica de Mallorca’, sendo eleita sua diretora no decorrer dos anos de 1930. Posto significativo do tipo de vida escolhida por Aurora, e ela era então não apenas a única mulher que participava da direção, mas também a única sócia mulher da organização, naquele momento. Desde o início de seu trabalho foi incentivada a fazer palestras de denúncias sobre a situação de opressão das mulheres em sua cidade natal, para incentivá-las a entrarem nas lutas por seus direitos. A jovem Aurora nunca deixou de manter relações políticas com os operários nem de participar também de reuniões com os comunistas da Ilha, ao mesmo tempo em que organizava campanhas de apoio às famílias de muitos operários mortos, ou feridos, em graves acidentes de trabalho, cujos responsáveis seguiam sempre impunes.

Seu trabalho solidário, social e político, realizado com coragem e atitude desafiante frente a uma sociedade fechada às ideias libertadoras, foi reconhecido em uma carta aberta do jornalista e escritor espanhol Miguel Ángel Colomar, na qual ele se referiu à Aurora como uma “valorosa jovem que sempre soma seu nome a todas as manifestações cívicas para resgatar a liberdade de pensamento de escravidões seculares”.

Influenciada por seu pai e seu irmão Joan, militantes do Partido Comunista da Espanha-PCE desde antes da República, teve também como uma referência intelectual Ateo Martí, da ‘Associação Laica’, que muito a influenciou, enquanto ela mantinha boas relações, ainda que oscilantes, com o PCE.

Outra referência na formação inicial de Aurora foi alguém que, no fim da década de 1920, promoveu várias iniciativas de lutas das mulheres sob o nome de Margarita Leclerc. Na verdade, Leclerc era um dos muitos pseudônimo literários e jornalísticos de José Antonio Ruiz Rodrigues Méndez, conhecido também como Max Bembo, que se mudou para Mallorca com sua companheira Teresa Herrero Ruiz. O feminismo, audaz para a época, da escritora e ativista Leclerc marcou profundamente a jovem Picornell, que já denotava um compromisso insólito com a classe, especialmente com as mulheres da classe. E com apenas 16 anos ela anunciou abertamente que, ao lado de suas companheiras, havia assumido a grandiosa tarefa de lutar pela emancipação da mulher, sob a consigna: “a emancipação da mulher é obra da mulher!” As posições de Aurora eram enormemente transgressoras para a época, sobretudo em uma ilha onde predominava um forte e atrasado conservadorismo clerical. Ela se converteu então, com todo seu destemor, em um símbolo das mudanças políticas iminentes, em Mallorca, particularmente, e na Espanha, em geral.

A vitória da Revolução Russa de 1917 foi celebrada com ardor revolucionário em todo o mundo, sendo que a chegada do proletariado ao Poder, pela primeira vez na história, repercutiu intensamente na Europa. Depois de terminada a primeira grande guerra imperialista, muitos se envolveram em diferentes lutas que explodiram nas ruas das cidades, especialmente os jovens, desde as escolas e universidades, marcando um grande enfrentamento aos valores e costumes conservadores, na luta por um novo futuro.

Com base em suas atividades práticas e também em seus estudos, Aurora não demorou a assumir plenamente a ideologia do proletariado internacional, que no seu processo de desenvolvimento era marxismo-leninismo. E se filiou ao PCE, quando tinha apenas 19 anos. Em pouco tempo se tornou a militante comunista mais conhecida de Mallorca, não somente por seu carisma pessoal, mas, principalmente, devido a seu firme compromisso de classe e capacidade de trabalho. Isso tudo, além da estreita colaboração política que desenvolveu, depois, com seu companheiro de vida e de luta, o célebre agente da Comintern, Heriberto Quiñones González, muito perseguido politicamente, e muito atacado pela reação e pelos revisionistas. Em sendo um casal, a vida política e privada de Aurora se entrelaça totalmente com a de Quiñones, no período em que ele militou na Espanha. E embora a intensa história de Quiñones deva ser contada a parte, em outro texto, muitas de suas ações marcantes como emissário da Comintern, fazem parte também da vida de Aurora.


Trajetória intensa e marcante

Em abril de 1931, antes das eleições municipais, Aurora escreveu uma “Carta Aberta às Mulheres de Mallorca” animando-as a convencer seus familiares, do sexo masculino, a votarem nos candidatos republicanos, contra o que classificava de “caciquismo local”. Naquele ano, as mulheres ainda não podiam sequer votar, nem na Espanha, nem em muitos outros países, como no Brasil. E mesmo não se alinhando com a linha oficial do PCE do período, ela escreveu outro artigo, com teor semelhante, para o órgão do partido, Nuestra Palabra”. Aurora queria então lutar pela construção de uma República Operária e Camponesa, tomando a União Soviética como exemplo.

Entre a primavera e o verão de 1931 Aurora publicou seus primeiros artigos na revista republicana “Ciudadania”, através dos quais criticava o moralismo católico e denunciava as péssimas condições de vida e educação que persistiam em algumas pequenas escolas particulares, asilos e casas correcionais de Palma, gerenciadas pelas freiras católicas. Após seu primeiro texto, publicado em 3 de janeiro de 1931, a revista incluiu uma nota celebrando a incorporação da nova colaboradora que, entretanto, se afastaria desta revista pouco tempo depois.

No dia 14 de abril de 1931 foi proclamada a Segunda República com a saída do Rei Afonso XIII da Espanha. A Segunda República perdurou na Espanha entre o dia 14 de abril de 1931 e 1° de abril de 1939, marcou muito a vida dos revolucionários espanhóis e, ao mesmo tempo, os desafiou profundamente. Os comunistas espanhóis do PCE rechaçaram, inicialmente, a proclamação da Segunda República porque consideravam que esta não significava nenhum importante passo político adiante, nem para a destruição do capitalismo, nem para a realização da revolução democrática burguesa. Na medida em que o PCE, ao considerar que a burguesia espanhola não era capaz de entender o caráter da revolução e, muito menos, de realizá-la, concluiu que a Segunda República era então uma contrarrevolução.

Além disso, as contradições de classe, assim como as contradições inter-imperialistas se agudizaram muito às vésperas do início da segunda guerra mundial imperialista. E, no fogo dessas intensas contradições, os fascistas espanhóis, liderados pelo general Francisco Franco, deram um golpe militar no dia 18 de julho de 1936 exatamente contra a Segunda República. Este foi o estopim para a explosão da Guerra Civil Espanhola, que durou até abril de 1939, quando Franco conquistou a sua vitória definitiva, iniciando assim, em 1939, o cruento regime fascista, cujas ações brutais e criminosas atingiram o povo espanhol, por mais de 30 anos.

O importante disso tudo foi que as inquietudes de Aurora - afloradas, por um lado, frente ao desenvolvimento de um novo conflito mundial desatado pelos imperialistas e, de outro lado, pela luta ferrenha em defesa da Mãe Pátria, dirigida pelo Camarada Stalin - foram respondidas por ela com a elevação de seu compromisso ideológico e político. Desfraldando e aplicando a ideologia do proletariado internacional ela transformou suas definições comunistas em decisão de entregar sua vida à revolução, trabalhando mais do nunca, incansavelmente.


Ânimo feminino revolucionário ao topo

Logo depois de filiada ao PCE, ela passou a militar na Juventude Comunista de Molinar (bairro conhecido à época como a “Pequena Rússia”), atuando como destacada dirigente local. A primeira intervenção pública dela como militante comunista, ocorreu no dia 12 de setembro de 1931, durante a XVII Semana Juvenil Internacional. Neste ato, Aurora falou sobre a situação da mulher na Rússia proletária destacando que lá “as mulheres têm os mesmos direitos dos homens; as mulheres trabalham apenas seis horas por dia; ganham igual aos homens; e que os seus filhos são as crianças mais respeitadas do mundo porque serão os homens de amanhã”, conforme foi registrado pelo jornal Nuestra Palabra, em 20 de setembro de 1931.

As múltiplas e importantes conquistas do povo na União Soviética depois de 1917 causaram um grande impacto na Europa e também no Estado Espanhol. O que estava sendo alcançado pelos soviéticos nos primeiros anos pós vitória era um exemplo marcante para Aurora, que sempre estava a mostrar para as massas, especialmente para as mulheres do povo, a realidade sonhada por ela para toda a Espanha, e todo o mundo.

Uma de suas primeiras tarefas como membro da Juventude Comunista foi mobilizar as crianças das famílias comunistas e assim, no final de dezembro de 1931, foi criado em Molinar um Núcleo dos Pioneiros Vermelhos, com cerca de 30 membros, que realizaram uma bonita e brilhante marcha pelas ruas do bairro, apesar das constantes coações e ameaças feitas pelas freiras católicas.

Logo depois, Aurora contou com uma seção própria no Nuestra Palabra, onde convocava as jovens proletárias a se incorporarem à luta por seus direitos. Os primeiros artigos dela em sua seção estavam ainda centrados na denúncia do clericalismo e na conscientização das mulheres; pois ela ainda mantinha certo apoio à Segunda República. No seu caso, o trânsito relativamente lento entre as diferentes tendências políticas se explicava pelas relações políticas que ela mantinha então, tanto com o republicanismo, como com o comunismo.

No dia 24 de dezembro de 1931 foi criada, em Palma, a Rádio das Juventudes Comunistas, para fazer a propaganda e a defesa das ideias comunistas, que contou com a voz conhecida de Aurora e a direção das chamadas Vermelhas de Molinar - nome dado à família de Catalina Pascual e suas irmãs, Antonia e Maria Pascual que, junto com Aurora, foram as que impulsionaram o comunismo no bairro Molinar.

O grande objetivo político das Vermelhas de Molinar era o de vencer as barreiras de desinformação impostas pelos meios de comunicação sob o mando da direita e da igreja católica, que promoviam uma satanização do comunismo através de mensagens simples dirigidas às mulheres. Os absurdos chegavam ao ponto de dizer que “o comunismo apaga os sentimentos humanos” e que “as mães comunistas comiam seus filhos começando pelas extremidades”, até ao máximo de divulgar que Lenin havia declarado que “o amor dos pais era algo pernicioso” e que Alexandra Kollontai considerava “a família como um farrapo do passado”. Depois que 20 comunistas foram presos em uma reunião clandestina, que estava sendo realizada em Madri, estes mesmos órgãos reacionários se escandalizaram com a presença de uma jovem mulher entre eles, e lançaram publicamente a pergunta: “como se explica a presença de uma jovem mulher espanhola em uma reunião bolchevique?”. As camaradas promoveram um forte debate e um grandioso trabalho político com a Rádio das Juventudes Comunistas contra tantas falsidades e disparates.

Em Mallorca, o comitê local do PCE, esteve marginalizado e fortemente atacado pela repressão desde 1929, quando tinha somente 5 militantes. Ao longo do ano de 1930 foi iniciada uma reconstrução dirigida pela Federação Comunista Catalano-Balear, e em maio de 1931 os comunistas mallorquinos se distanciaram desta vinculação com os catalães, porque estes conformaram uma fração revisionista, oportunista e direitista, chamada Bloco Operário e Camponês-BOC.

Tudo indica que durante o primeiro biênio republicano, o núcleo feminino comunista teve uma presença discreta em Baleares, enquanto seguia forte no Estado Espanhol, como um todo. Somente quando Nuestra Palabra abriu uma seção feminina, com a denúncia das péssimas condições de trabalho e de vida das mulheres operárias, é que o núcleo feminino nas Ilhas se desenvolveu realizando com as demais comunistas, vários trabalhos políticos bastante positivos. O enfrentamento político com o republicanismo foi realmente difícil e a comissão feminina local do partido, no período, seguiu com avanços pequenos até 1933.

O PCE se mostrava também em dificuldades para articular um modelo de organização sindical de acordo com a Internacional Sindical Vermelha, o que levou a política sindical comunista a desenvolver diversas experiências na época republicana, baseada quase que somente nas influências locais específicas. No entanto, os comunistas de Mallorca tiveram presença sólida no Sindicato da Construção, porque o pai e os filhos da família Picornell participaram em postos relevantes na direção do Sindicato da Madeira e da Metalurgia.

Aurora, por sua vez, se centrou no trabalho na área de confecções de roupas, em cujas fábricas as operárias de Palma eram extremamente exploradas. Ela foi uma das fundadoras, e também a mais importante dirigente do Sindicato de Alfaiates, fundado em janeiro de 1931, que contava com um número bem superior de mulheres em relação aos homens. A luta pela jornada menor e por melhores salários se estendeu por todo o ano, enquanto eram feitas constantes denúncias sobre as péssimas condições de trabalho enfrentadas pelas mulheres operárias. Aurora, sempre muito ativa, participou de uma reunião realizada na Casa do Povo de Palma, quando falou a favor da unificação da classe trabalhadora. Ela destacou que, se tal objetivo não fosse alcançado, em breve os operários e trabalhadores seriam todos atropelados pelos burgueses e pelo governo dos burgueses. (Cultura Obrera, 12.12.1931)


Papel decisivo da mulher na revolução

Um dos principais papéis cumpridos por Aurora no PCE foi exatamente a luta em defesa dos direitos da mulher operária e trabalhadora. A partir do estudo do livro de Engels, A Família, a Propriedade Privada e o Estado, Aurora aplicou um trabalho constante para que a organização e a filiação de mulheres nas fileiras comunistas fosse um forte objetivo estratégico do PCE. Tomando Engels como base, Aurora defendeu a necessidade de destruição total do imperialismo como caminho para a emancipação feminina e se somou ao movimento comunista internacional na luta pela Revolução Proletária Mundial. Muitos textos sobre a questão feminina começaram a ser publicados no órgão de propaganda do partido, sendo escritos diretamente pelas camaradas porém assinados, por segurança, com pseudônimos. Assim também ela reforçou a sua proposta de cooptação de mais e mais mulheres comunistas para o PCE.

Aurora Picornell se tornou conhecida como La Passionaria Mallorquina, a partir do início de 1931, quando passou a ser uma potente mobilizadora dos revolucionários comunistas, seguindo com este mesmo compromisso político em todo o decorrer da Segunda República, até quando foi covardemente assassinada,, com 25 anos de idade, em 5 de janeiro de 1937. No entanto, vale destacar que em sua breve trajetória e, particularmente, nos seus últimos anos, a vida e luta da jovem Passionaria Mallorquina tem muito pouco em comum com a vida da internacionalmente conhecida La Passionaria de Espanha, Dolores Ibárruri, que foi a Secretária-Geral do PCE em 1942, depois da morte de José Diaz, cargo que desempenhou até 1960, quando foi sucedida por Santiago Carrillo. Dolores Ibárruri, ao contrário da jovem Aurora Picornell, se tornou uma renegada revisionista, sendo por isso uma das responsáveis pelo ataque duro feito pelo PCE à Internacional Comunista e ao Camarada Stalin, e por outros tipos de problemas graves criados para os comunistas espanhóis.

O silêncio que recaiu sobre a agitada militância de Aurora Picornell, no decorrer das quatro décadas seguintes à vitória franquista podem ser explicados pela destruição, quase que total, das bases sociais do movimento operário em Mallorca e pelo assassinato da resistência comunista clandestina, ocorrido em 1948. Além disso, várias reformas urbanas foram realizadas em Palma, que acabaram por destruir o bairro Molinar original, já muito degradado com o passar dos anos. Edifícios foram derrubados fazendo desaparecer os vestígios e lembranças das ruas onde nasceram, cresceram e lutaram Aurora e sua família, abrindo espaço para a transformação da região no famoso, e caríssimo, polo turístico da atualidade.


Aurora e o agente da Comintern na Espanha

O célebre agente da Comintern que, historicamente, ficou conhecido como Heriberto Quiñones González chegou em Palmas, Mallorca, no ano de 1931. Ele logo contatou com a família Picornell chegando a ser acolhido em uma noite de natal. Como outros agentes, ele tinha sido enviado pelo Comintern à Espanha para dirigir a estruturação e consolidação da seção da Internacional Comunista, na Espanha. Tendo trabalhado na Argentina onde, segundo consta, colaborou diretamente com Vittorio Codovilla, Quiñones manteve também estreita ligação com a colônia de asturianos no país, o que lhe permitiu aprender bem o castellano para garantir maior veracidade à sua documentação de nacionalidade espanhola, usada para chegar na Espanha, em outubro de 1930. Depois da Argentina, ele passou pela França, de onde foi expulso, e se dirigiu depois à Espanha, chegando primeiro em Barcelona. Quiñones trabalhou com outro conhecido membro da Comintern, o suíço Edgar Woog, mais conhecido como Alfred Stirner, secretário de Assuntos Latino Americanos da Internacional Comunista e se manteve próximo do principal delegado da Comintern na Espanha, o também suíço Jules Humberto Droz.

Preso por muitas vezes, Quiñones foi expulso do território espanhol em 22 de agosto de 1931. Mas regressou logo, clandestinamente, ao país para se estabelecer em Mallorca, onde contribuiu para a expansão do trabalho dos comunistas na Ilha. Foi durante sua primeira etapa no país que ele iniciou sua relação amorosa com Aurora Picornell. Consta que o casal teria se casado em Valência, porém perante o juiz, em 1936, Aurora afirmou ser solteira, enquanto ele, em diversas declarações depois de outras prisões, se declarou também solteiro. Eles se mudaram então para a cidade de Valência, onde viveram juntos e bem próximos do responsável máximo do comitê comunista local. Aurora trabalhou no setor de alfaiataria e se incorporou também nas Juventudes Comunistas de Valência, com o pseudônimo de Amaro Pino. O regresso dos dois às Ilhas Baleares se deu no ano de 1933, no início da campanha eleitoral da primeira eleição na qual mulheres espanholas puderam votar. Aurora tinha então 23 anos, idade que lhe permitiu votar e ela, como as outras mulheres espanholas exerceram em massa este novo direito deixando marcada uma votação expressiva. Nas Ilhas, esta eleição provocou um gosto amargo na esquerda, na medida em que beneficiou claramente os candidatos reacionários e defensores de posições direitistas.

Os comunistas das Baleares tiveram que enfrentar muitas dificuldades no período de 1931-1933, biênio reformista, com muitas perseguições feitas pelo governo. O triunfo da direita nas eleições de 1933 abriu um período de retificação e de reformas, conhecido como Bienio Radical-cedista ou Bienio Negro, da Segunda República1, quando ocorreu a Revolução de Outubro de 19342, com grevistas tentando tomar de assalto o governo em Madri. Para os comunistas foi um período complexo durante o qual tiveram que ir para a clandestinidade e, ao longo do ano, novas propostas favoráveis a uma certa unidade de ação com outras forças de esquerda foram sendo introduzidas, lentamente, no PCE. Esta reformulação política culminou com a incorporação do PCE nas Alianças Operárias3.

Além da seção de Baleares, o PCE se caracterizou no período por um acentuado sectarismo devido à sua baixa formação teórica e débil assimilação do marxismo. Mas, de qualquer modo, com o trabalho realizado neste biênio o Partido alcançou êxitos nas áreas da juventude e sindical, o que significou a criação de uma importante base para um maior desenvolvimento local.

No período de 1931-1933, os comunistas da Ilha tornaram-se referência para os setores operários mais combativos. Mas foi apenas nos anos finais da Segunda República que Aurora Picornell e Heriberto Quiñones se converteram em figuras chaves para o movimento comunista na Ilha. Desde o início de 1934, a política comunista desenvolvida e impulsionada por Quiñones em Mallorca esteve baseada na formação de grupos da chamada Frente Única pela Base de Luta contra o Fascismo e a Guerra Imperialista. A linha estratégica da Internacional Comunista propunha atrair a militância de base de outras organizações de esquerda, ao mesmo tempo em que atacava as direções do Partido Socialista Operário de Espanha-PSOE e da Central Nacional de Trabalhadores-CNT.

Quiñones encabeçou a luta contra um antigo dirigente do PCE, Pere Antoni Bauza Servera, que logo abandonou o partido para organizar, em Mallorca, o Bloco Operário Camponês. Aurora convocou, uma vez mais, as mulheres a se integrarem nas lutas, conseguindo a criação da Frente Única, em Menorca. Com a reativação do PCE, em 1934, foi possível formar uma célula feminina local composta por oito mulheres, sendo que a agitação feita por Aurora influenciou o desenvolvimento, posterior, do movimento comunismo em Menorca, que esteve muito intenso durante a Guerra Civil.


Maiores responsabilidades assumidas por Aurora

Em Mallorca, Aurora reativou o trabalho dos comunistas entre as mulheres, o que permitiu criar um organismo chamado de Seção Feminina do Partido Comunista, que impulsionou a primeira celebração local do Dia Internacional da Mulher Trabalhadora. Ela publicou em Nuestras Palabras um texto em que assinalava que as mulheres não podiam estar à margem da celebração e da luta no momento em que o país estava em pleno desenvolvimento revolucionário. E citava, no artigo, o exemplo das mulheres operárias de Bilbo que, diante da miséria reinante e da fome terrível que as assolava, decidiram assaltar um caminhão carregado de pães e uma loja de mantimentos para a sobrevivência delas e de suas famílias.

Aurora fez também um chamado aos comitês do PCE e às Juventudes Comunistas para que se envolvessem na organização daquela campanha, que deveria se vincular ainda à luta contra o imperialismo, o fascismo e a guerra. Isso, além da luta pelo barateamento dos preços dos alimentos e pela igualdade salarial entre homens e mulheres. Na reunião de celebração do dia 8 de março, em Palma, ela falou em nome da Seção de Mulheres do PCE.

Voltando a escrever em Nuestras Palabras, Aurora publicou dez artigos, sendo que três destes artigos trataram das condições de trabalho das mulheres na indústria e no campo, e outros de entrevistas feitas com diferentes operárias. Ela também escreveu criticando os desfiles católicos na região classificando-os de “provocações fascistas”. Diversificou depois os temas de seus artigos revelando com eles um amadurecimento político constante, paralelo ao fato de ter assumido maiores responsabilidades na organização comunista balear.


Presa e assassinada

No mesmo período, as lutas das mulheres por seus direitos básicos e elementares cresceram visivelmente em diversos países, enquanto se fortalecia a criação de novos partidos operários sob a ideologia do marxismo-leninismo que lutavam para a tomada do Poder. Neste cenário, cresceu novamente, no velho continente, a ameaça fascista. Mas, onde há repressão há também muita revolta, um movimento antifascista foi impulsionado amplamente a partir de 1933, com decisiva participação de jovens e de mulheres que não fugiram ao duro combate.

Bastante jovens, muitas delas assumiram protagonismo no marco do desenvolvimento do movimento revolucionário de Outubro de 1934, cujos principais focos estavam na Catalunha e Astúrias. Milhares de mulheres serviram nas frentes de batalhas, sendo muitas delas assassinadas ou presas após a derrota do conflito. As ações das mulheres vinculadas à Associação de Mulheres contra a Guerra e o Fascismo, criada em 1933 com o apoio do Partido Comunista da Espanha, levaram esta organização a ser declarada ilegal.

Com o estalar da Guerra Civil Espanhola, a cidade de Mallorca caiu nas mãos dos falangistas contrários ao regime republicano, e a jovem Aurora Picornell foi logo presa na Casa do Povo e encarcerada no Presídio de Mulheres de Mallorca. Na conhecida Noite dos Reis Magos, 5 de janeiro de 1936, ela foi retirada da prisão por falangistas que a levaram ao Convento de Montuiri, onde foi brutalmente torturada e assassinada ainda nesta mesma noite, junto com outras quatro camaradas com as quais muito lutou: Catalina Flaquer Pascual, suas filhas Antonia Pascual Flaquer e Maria Pascual Flaquer, e Belarmina Rodriguez - todas elas Vermelhas de Molinar. Seu pai e um de seus irmãos foram assassinados também pelos fascistas no mesmo período e, Quiñones, foi morto anos depois, já durante o regime militar fascista franquista.

Era bastante comum na época, que os comunistas dessem aos seus filhos nomes representativos de sua ideologia de classe. Assim foi que a única filha de Aurora e Quiñones se chamou Octubrina Roja. O regime franquista se achou no direito de mudar, oficial e imparcialmente, o bonito e expressivo nome do bebê, escolhido por direito e costume por seus pais, para o nome de Francisca, em um ato impositivo e absurdo. Octubrina Roja ainda engatinhava quando seus pais foram covardemente assassinados pelos fascistas. Depois de se casar e de ter duas filhas, às quais chamou de Joana e Aurora, Octubrina Roja faleceu quando era ainda bem jovem, lutando contra as péssimas condições de vida que os comunistas e seus familiares enfrentaram durante o regime fascista.

Em outubro de 2022 foi confirmado que parte dos restos mortais encontrados no ano anterior, nas fossas comuns do Cemitério Son Coletes, em Manacor, no Estado Espanhol, pertenciaem a Aurora Picornell. Ela foi identificada e, ao mesmo tempo, a perícia apontou ter sido assassinada por cinco tiros, sendo três deles na cabeça. Além disso, acredita-se que Aurora foi violada e muito maltratada antes de sua execução.

Antes disso, em 2017, na passagem de 80 anos de seu assassinato, Aurora foi nomeada, por unanimidade, “Filha Predileta de Mallorca”. Em 2019, um busto seu foi inaugurado no bairro vizinho a Molinar, e em 25 de outubro de 2022, com seus restos mortais identificados, foi aprovado que a Biblioteca Municipal de Molinar passasse a se chamar Biblioteca Municipal Aurora Picornell.


Aurora vive. Viva Aurora!

As massas exploradas e oprimidas em todo o mundo, em particular as mulheres, que são a metade desse imenso contingente, seguem lutando. Neste momento em que o imperialismo vive uma crise de decomposição sem precedentes, com a abertura de um novo período de revoluções em todo o mundo, o crescimento das lutas dos explorados e oprimidos, não apenas nos países dominados, mas também nos países imperialistas, é cada dia maior e mais visível. Por isso, resgatar os exemplos, em especial os exemplos das mulheres comunistas nos centros imperialistas, faz parte de reforçar em nós as convicções revolucionárias e elevar ainda mais o otimismo comunista.

Quando o Presidente Mao Tsetung disse que “as mulheres levam sobre suas costas a metade do céu e devem conquistá-la” ele apontava que a revolução chinesa não poderia ter conquistado a retumbante vitória se não envolvesse e comprometesse no seu processo a metade da população, ou seja, as mulheres, que são, inclusive mães da outra metade. A presença ativa de mulheres comunistas na luta revolucionária tem sido bem maior do que se divulga, mas isso ainda é pouco. Destacar exemplos como o de Aurora Picornell é reafirmar a força, a disposição e a consciência das comunistas que lutam, vertendo seu próprio sangue, para a conquista de um futuro luminoso para toda a humanidade.

O resgate da participação exemplar das mulheres comunistas no trabalho imenso e cotidiano desenvolvido naquele período, na Espanha, e em muitos outros países, é parte importante do resgate de toda a longa e grandiosa história de luta dos comunistas em todo o mundo, desde a luta de Marx e Engels e a publicação, em 1848, do Manifesto do Partido Comunista.

Hoje, o Partido Comunista Maoista-PCM do Estado Espanhol segue seu trabalho ideológico, político, orgânico, para se reconstituir como Partido Comunista militarizado, Marxista-Leninista-Maoista, principalmente maoista, aportes de validez universal do Presidente Gonzalo. Este processo em desenvolvimento é filho da longa história de dura luta ideológica travada antes, por todos os militantes, muitos deles assassinados, como Aurora Picornell. O processo atual desenvolvido pela nova geração de comunistas maoistas está baseado também no titânico trabalho de seus antecessores. Que Aurora Picornell seja, portanto, não apenas o exemplo de “mulher avançada no seu tempo”, como foi dito por alguns. Mas, sim, uma entre as muitas expressões de luta e resistência do povo espanhol desde o franquismo, contra o imperialismo, e todo tipo de revisionismo e oportunismo.

Que Aurora seja um símbolo de mulher comunista” a seguir e, mais, que seja a confirmação da importância da integração das mulheres na guerra popular. Que a recordemos como forma de emular e impulsionar a participação das camaradas, de elevar mais a nossa forja ideológica, política e teórica na promoção de quadros femininos, no caminho da revolução no Estado Espanhol, a serviço da Revolução Proletária Mundial.

 

 

Viva Aurora Picornell!

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Notas:

1 O Segundo Biênio da Segunda República, também chamado de biênio radical-cedista, biênio retificador, biênio conservador, denominado também biênio negro pela esquerda, constitui o período compreendido entre as eleições de 1933 e as de fevereiro de 1936, durante o qual governaram os partidos de centro-direita republicana encabeçados pelo Partido Republicano Radical de Alejandro Lerroux, aliados com setores anti-republicanos e clericais da Confederação Espanhola de Direitas Autônomas-CEDA e do Partido Agrário.

2 A Revolução de 1934, na Espanha, foi um movimento grevista, revolucionário, que ocorreu entre 5 e 19 de outubro de 1934 durante o biênio radical-cedista da Segunda República. Os principais focos foram na Catalunha e Astúrias.

3 A Central Nacional dos Trabalhadores-CNT de Astúrias, a União Geral dos Trabalhadores-UGT assinaram um pacto com Federação Socialista de Astúrias-FSA, formando a Aliança Operária plasmada com a União dos Irmãos Proletários-UHP, que se uniria com outras organizações operárias como o BOC, a Esquerda Comunista e finalmente o Partido Comunista da Espanha.

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