13/06/2023

Editorial de AND: 10 anos das Jornadas de Junho: 2013 virá de novo! A juventude se levanta, toda a canalha treme!

 Republicamos editorial do jornal A Nova Democracia, divulgado na Edição 252, de junho e julho de 2023.

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10 anos das Jornadas de Junho:

2013 virá de novo!

A juventude se levanta, toda a canalha treme!

 

 

Dez anos das Jornadas de Junho de 2013 e o único consenso estabelecido acerca daqueles episódios é que, desde então, o Brasil não tem sido mais o mesmo.

É fácil entender de que lado estavam os manifestantes que foram às ruas se se vê o ódio de classe (no caso, a dominante) com que as jornadas foram tratadas pela Santa Aliança do governo petista, dos monopólios de imprensa e dos mais destacados ideólogos reacionários, tidos então como “antípodas exatos da esquerda”, como Olavo de Carvalho e Reinaldo Azevedo. De um lado, toda a velha ordem reunida; de outro, as massas populares, sem uma única direção reconhecida, mas em cujos alvos da rebelião espontânea já se notava o embrião da consciência e da ação revolucionária.

Do primeiro campo, destaquemos a filósofa Marilena Chauí, que disse, em palestra para oficiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que os “black blocs agem com inspiração fascista”. Sim, uma pessoa que se pretende “progressista” acusou de “fascista” a juventude combatente, em um auditório composto por uma instituição cujas fardas pingam sangue do povo assassinado nas favelas! Será que se poderia descer mais baixo do que isso na escala da hipocrisia, que beira o contrassenso, e da degradação?

Do segundo campo, notemos os duros editoriais dos jornalões dos monopólios de imprensa, dos quais destacamos o da “Folha de São Paulo” do dia 13 de junho de 2013, cujo título estampava: “Retomar a Paulista”. Neste mesmo dia, cumprindo a ordem dos “donos”, os cães da PM de Alckmin se desbragaram na brutalidade e, naquelas astúcias da história, atingiram no rosto a repórter Giuliana Vallone, da própria Folha, o que disparou a onda de manifestações no Brasil todo. No mesmo sentido, lembremos do “oráculo” Arnaldo Jabor, dizendo no Jornal da Globo que “aqueles revoltosos de classe média não valiam nem 20 centavos”, frase cuja enorme repercussão obrigou-o a recuar, sem que o autor jamais se recuperasse do descrédito em que caiu.

 

Finalmente, o “neoprogressista” Reinaldo Azevedo dizia, no calor das horas, em tuíte de 6 de junho: “Passe-Livre?! Lugar de delinquente é na cadeia ou na Fundação Casa!”. Alguns dias depois: “Passe-Livre? Vagabundos, sim! E criminosos também!”. Dois anos depois, quando defendia com fervor o impeachment de Dilma Roussef, escreveria em sua coluna: “Março de 2015 não tem nada a ver com junho de 2013”. Afinal - é este o sentido do seu texto - aquele é ordeiro e composto por “gente de bem”, ao contrário deste... Não à toa, seus comentários eram celebrados e republicados nas páginas de Facebook de policiais e militares no País todo, ainda mais populares que a abordagem às vezes esotérica de Olavo de Carvalho (neste momento, ideológica e politicamente, eles estavam no mesmíssimo campo da extrema-direita). Este, em 19 de junho, em artigo intitulado “A primeira vítima”, no Diário do Comércio, ao contrário de celebrar, acusava o golpe e lamentava a marcha dos acontecimentos:

Quaisquer que venham a ser os desenvolvimentos da onda de protestos no Brasil, sua primeira vítima está ali, caída no chão para não se levantar nunca mais, e ninguém sequer se deu conta da sua presença imóvel e fria: é a ‘direita’ brasileira. (...) A insatisfação conservadora transmutou-se em baderna revolucionária e já não tem nem mesmo como reconhecer de volta o seu próprio rosto. Talvez algumas cabeças esquerdistas venham a rolar no curso do processo, mas as da direita já rolaram todas”.

Como se vê, do governo petista e sua “intelligentsia” social-democrata até a extrema-direita, varia-se da condenação ao lamento, mas é uníssono - pelo menos até o ápice dos protestos em 20 de junho, quando ganham força as tentativas de disputa e divisão - o repúdio aos protestos populares. A direita brasileira cerrou fileiras contra os protestos e não teve dúvidas sobre o seu caráter, no instante em que eles ocorriam. A nota curiosa é que, embora falassem a mesma coisa em essência, eles batiam cabeça e se acusavam uns aos outros de “leniência com a baderna”, associada sem pestanejar à “extrema-esquerda”. Passados dez anos, essa gente, que então mandava apertar os gatilhos ou justificava que se os apertassem, tem a desfaçatez de falar que eram os manifestantes, e não a sua peçonha punitivista, o ovo da serpente fascista! Ocorre que os fatos - ah, os fatos - eles são teimosos!


Uma vaga de protestos estremece o mundo

Com o arrefecimento da ofensiva geral contrarrevolucionária desatada pelo imperialismo, principalmente ianque, em convergência com o revisionismo e toda reação - no final dos anos de 1980, que recobrou ímpeto com a “guerra ao terror” de Bush em 2001 -, a década de 2010 viu a reanimação do movimento de massas em todo o mundo, no esteio da crise econômica do subprime em 2008 e da contestação ao receituário “neoliberal” aplicado pelo Banco Mundial e o FMI. Embora desatada no centro da economia norte-americana, com reflexos claros no Japão e União Europeia, todos palcos de mobilizações, essa onda de protestos se intensificou sobretudo nas zonas de tempestades revolucionárias de Ásia, África e América Latina.

Em 2011, eclodiram a série de revoltas conhecidas como “Primavera Árabe”. O ponto de partida foi a sublevação contra o governo reacionário e pró-ianque de Hosni Mubarak, no Egito, a 25 de janeiro. Na sequência, a onda de protestos - que exigiam melhores condições de vida e as mínimas liberdades democráticas - irradiou-se para Tunísia, Síria, Líbia e outros países. Revoltas justas, que, na falta de direção proletária, foram cooptadas pelos interesses de diferentes grupos de poder das classes dominantes locais, conluiadas com distintas potências imperialistas. Na sequência destes movimentos, como sói ocorrer, vieram uma repressão furiosa, a guerra civil e os golpes de Estado.

Na Grécia e na Turquia, as revoltas se radicalizaram ao extremo. As jornadas na Turquia se deram a partir da ocupação da praça Taksim, em 2013, generalizando-se em todo o país. Na Grécia, a onda de protestos contra as políticas de “austeridade” impostas pela União Europeia - corte brutal nos direitos trabalhistas, previdenciários e dos serviços públicos - beiraram a guerra civil. As massas populares recorreram a táticas de guerrilha em sua luta, como uso de carros-bombas nos protestos contra o governo. Um deles explodiu na frente do Banco Central, onde funcionava a Troika da União Europeia.

Na América Latina, governada, majoritariamente, pela falsa esquerda oportunista - expressão, nestas latitudes, da ofensiva contrarrevolucionária mundial a que já nos referimos -, os anos de 2011 e 2012 são marcados pela grande onda de ocupações nas escolas chilenas. Essa já era a chispa que culminaria nas jornadas chilenas de 2019. Em junho de 2013, o Peru foi sacudido por uma grande revolta popular contra o governo de Ollanta Humalla e suas políticas de “austeridade”. Em agosto, foi a vez da Colômbia estremecer com uma retumbante greve de milhares de massas camponesas, que abarcou 12 dos 32 departamentos do país e percorreu meses a fio. Em 2014, o grande levantamento estudantil, no México, repercutiu em todo o mundo a partir do sequestro e desaparecimento dos 43 estudantes de Ayotzinapa, produzindo novas ondas de protesto no país.


A onda atinge em cheio o Brasil

Vivia-se, nos anos e até nos meses anteriores a junho de 2013, uma espécie de “Belle Époque” oportunista no Brasil. A despeito do aumento da concentração fundiária, do desmantelamento dos direitos trabalhistas - sobretudo no setor de serviços -, da matança policial e do hiperencarceramento contra a juventude nas favelas, o governo do PT (nisto, auxiliado pela Rede Globo e demais monopólios de imprensa) esforçava-se para reeditar o ufanismo dos tempos dos governos militares (Luiz Inácio é um admirador confesso de Geisel). Com base em crédito farto, contrapropaganda e muita ladroagem - inédita não porque ausente nos governos anteriores, mas pela forma desabrida e cínica com que se fazia, que só seria igualada pelo “orçamento secreto” dos anos de Bolsonaro - vendia-se a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas como a cereja do bolo do projeto de mil anos petista. No Rio de Janeiro, o “companheiro” Sergio Cabral implantava as UPPs (Luiz Inácio subiu o morro com ele para elogiá-las como “polícia companheira”, recordam?), celebradas por outro célebre “companheiro”, Eike Batista. UPPs que assassinariam Amarildo e tantos outros, e que replicavam, para dentro do país, o modus operandi exercitado durante a infame ocupação do Haiti por tropas brasileiras, que perdurou mais de dez anos.

A verdade é que já havia sinais do esgotamento do “reformismo sem reformas” lulo-dilmista desde antes. Os anos de 2011 e 2012 viram a ocorrência de inúmeras greves e violentas rebeliões operárias nos canteiros de obras do Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC), em que destruíram e incendiaram os alojamentos (Luiz Inácio visitou os canteiros de obras da Usina de Girau e Santo Antônio e elogiou declarando que “nunca tinha visto operários num alojamento com ar-condicionado”). A luta camponesa, cuja expressão mais consequente eram as tomadas dos latifúndios com imediata distribuição da terra aos pobres do campo em defesa da Revolução Agrária, desenvolvia-se a despeito dos assassinatos e prisões da cruzada reacionária latifundista da “Operação Paz no Campo” do governo petista e bandos de pistoleiros. Nas cidades, engrossavam, de ano para ano, as mobilizações de estudantes e professores universitários, de que se destaca a vitoriosa ocupação da reitoria da UNIR em 2011, assim como cada vez mais combativas manifestações contra o aumento das passagens e por passe-livre, como as ocorridas no princípio de 2013 em Porto Alegre e em Goiânia. Em protestos e escrachos, exigia-se a punição dos criminosos do regime militar.

Entretanto, como uma solução de continuidade, a explosão de Junho de 2013 varreu em poucos dias o entulho acumulado por anos e anos. A “popularidade” de Dilma despencou 27 pontos em pesquisa Datafolha: de 57% no começo de junho, sua aprovação caiu para 30% no final do mês. Sorte semelhante à amargada pelos governadores de todos os espectros políticos: Alckmin, passou de 52% para 38% e Sergio Cabral de 55% para 25%. Isto mostra, com sobras, que Junho de 2013 destapou a profunda contradição entre massas populares de um lado e velho Estado burocrático-latifundiário de outro, e não contra apenas um de seus gerentes de turno. Era a falência do pacto de conciliação de classes selado na Anistia e ratificado pela Constituinte de 88, que conservou o papel moderador das Forças Armadas - e suas forças auxiliares, as polícias militares, excrescência herdada do império escravocrata-feudal, incrementada pela república oligárquica, consolidada pelo regime de militar fascista e mantida pela ordem “redemocratizada” - e manteve o grosso da nossa população à margem tanto do processo político quanto de mínimas garantias sociais. O Sistema Único de Saúde, das poucas conquistas de cunho democrático assentadas na Carta Constitucional, começou a ser destruído no dia seguinte da sua implementação. Não à toa, em plena Copa das Confederações, realizada precisamente naquele junho de 2013, os manifestantes erguiam cartazes nos estádios exigindo Saúde e Educação “padrão FIFA”.

Ao contrário do que ocorreu em outros momentos, à medida que os governadores escalavam a repressão, os protestos cresciam. No Rio de Janeiro, passou-se de dez mil pessoas no ato do dia 13, para 100 mil em 17 e 1 milhão em 20. Essa progressão geométrica se deu em todo o País. A partir do dia 20, há uma importante separação, sobre a qual os estudiosos daquele movimento não costumam se referir, seja por desconhecimento, seja por apego a ideias preconcebidas: o Movimento Passe Livre de São Paulo (que sempre teve, desde a sua criação, em Florianópolis, ligações com a chamada “esquerda” do PT), decide se retirar das ruas e não convocar mais protestos, cedendo à gritaria governista de que se estava “abrindo caminho para a direita”. No Rio de Janeiro, numa assembleia de massas realizada no Largo de S.Francisco, no dia 25, que contou com a presença de mais de 5 mil pessoas, o campo popular revolucionário defende e aprova, contra os oportunistas juntos e embolados, a continuidade das manifestações e convoca o protesto para o dia 30 de junho, no Maracanã, na hora da partida final da Copa das Confederações. A partir daí, o Rio de Janeiro se converteria no epicentro da rebelião popular. Desta articulação pontual, nasceria, pouco depois, a Frente Independente Popular (FIP) do Rio de Janeiro - que seria fundada também em outros estados - cujas atividades só seriam interrompidas pela série sucessiva de processos e prisões, no contexto da Copa de 2014, com ampla repercussão nacional e internacional. Pretender contar a história política daqueles eventos, ocultando os seus sujeitos, como se tudo fosse obra do acaso ou do espontâneo, é um erro não apenas interpretativo, mas também objetivo.


Não desfecho: apenas o ponto de partida

Junho de 2013 inaugurou um novo ciclo da luta de classes no País. O período de desenvolvimento relativamente pacífico das suas principais contradições econômicas e políticas; o período em que a resolução dos conflitos, tanto no seio das classes dominantes, quanto entre estas e as massas populares, se fazia prioritariamente de acordo com o ordenamento legal vigente, período inaugurado com a “redemocratização”, finda-se aí. Desde então, todas as contradições fundamentais de nossa sociedade (quais sejam, entre campesinato principalmente pobre e sistema latifundiário; entre a nação e o imperialismo, principalmente ianque, e entre o proletariado e a grande burguesia) se agudizaram de um modo formidável, atingindo níveis sem precedentes, que culminaram em atos preparatórios para o desfecho de um golpe de Estado nos fins de 2022. A violência saltou à tona como principal método de resolução imediata dos conflitos entre as classes e no interior das suas frações e grupos de poder, o que não é obra da vontade de quem quer que seja, mas expressão da crise profunda do capitalismo burocrático. Esta crise, como não pode deixar de ser, amadurece as condições da Revolução de Nova Democracia, e é para detê-la que o Alto Comando das Forças Armadas, na sequência das rebeliões de 2013/14, desatou uma ofensiva contrarrevolucionária preventiva, com planos de faxina nas instituições de seu velho Estado corrupto desde a medula, para renovar a casta política desmoralizada, servindo-se a “Operação Lava Jato” concebida e planificada com o FBI, que apesar de ruidosa, colheu um grande fracasso e descrédito sob o governo de Bolsonaro.

Junho de 2013 não foi, portanto, efeito sem causa, nem um trovão em céu azul. Sua eclosão inevitável encontra raízes profundas em nossa história, as quais remontam à nossa formação econômico-social feudal-escravista, cuja superestrutura política é mero decalque mal feito de república democrática, na verdade, um biombo reacionário assentado na opressão a ferro e fogo de nossa gente. Todas as tentativas de revolução popular foram afogadas em sangue pelo exército das classes dominantes; todas as “mudanças” político-sociais foram definidas pelo alto, em arranjos das próprias classes dominantes, e foram por isso incompletas, falsas, inconsequentes, mera evolução quanto às formas do mesmo velho conteúdo anacrônico. 134 anos após a proclamação da República, ainda são os militares os “tutores” da Nação, e o “perigo vermelho” o ponto de unificação de todos os reacionários. Até que este carcomido ferrolho contrarrevolucionário seja destruído, as crises se prolongarão e retornarão. Digam o que quiserem, portanto, os hipócritas liberais burgueses ou seus acólitos oportunistas - que sonham com um capitalismo depurado das suas iniquidades, ou seja, uma impossibilidade categórica-, as razões que produziram aquelas rebeliões persistem e, por isso, devemos alertá-los: a despeito do seu frêmito de ódio e de medo, senhores, Junho de 2013 virá de novo, mas como nova e maior tormenta!

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